A proporção do perdão

Um líder religioso convida Jesus para jantar em sua casa. Os convidados tomam seus lugares à mesa, reclinados. Em determinado momento, sabendo que Jesus estava ali, entra uma mulher, vinda da rua, da escuridão e da vida e se põe aos pés de Jesus. Ela começa a chorar aos seus pés e a enxugar as lágrimas que lavavam os pés de Jesus com os cabelos. Uau... que cena! O chefe religioso que havia convidado Jesus pensa consigo: "Se esse Jesus fosse mesmo profeta saberia que a mulher que chora aos seus pés não passa de uma prostituta." Jesus sabendo o que se passava em seu coração (aliás, a mente e os sentimentos dos religiosos são muuuiito previsíveis...) lhe conta uma parábola:

Dois homens deviam ao rei, um devia R$ 10,00 e outro R$ 10000000000,00. Como não tinham como pagar, ambos foram diante do Rei pedir que lhes perdoasse a dívida. E assim foi, o Rei lhes perdoou a dívida.

Isto posto, Jesus pergunta ao religioso, quem amará mais ao rei. Após breve momento de reflexão o religioso responde acertadamente: "a quem mais foi perdoado suponho." Jesus lhe responde: "pensaste corretamente."

Jesus então diz ao religioso: "entrei em tua casa e não me recebeste com um beijo sequer, não me ungiu a cabeça com perfume... no entanto, esta mulher não cessa de me beijar os pés e ungí-los com as próprias lágrimas". Tornando-se à mulher disse: "Vá filha, perdoados estão teus pecados."

Este é um relato livre que faço de uma passagem bíblica que sempre me impressionou pela sua clareza e inversão de valores.

Primeiro, não importa o valor da dívida, o perdão é o mesmo. Portanto, há sim diferença entre as dívidas, ou seja, os pecados não são todos iguais. Mas, não importa, o perdão é o mesmo e é para todos.

Segundo, a consciência do perdão, da graça e do amor de Jesus é proporcional à consciência que temos de nós mesmos. Sendo assim:

O religioso batalha pelo amor de Deus, e em tendo trabalhado pela aceitação divina considera o amor de Deus como sendo resultado de suas ações religiosas. Ao religioso está posta a impossibilidade da auto-consciência pois não se enxerga diante de Deus, porque vê somente sua própria auto-imagem forjada  no labor religioso, que é a famosa "cara de crente" posta na frente da verdade da alma impedindo-a de ser vista.  

O não religioso, que tem "cara de gente", não tendo nada entre seus olhos e sua alma, portanto, sendo auto-consciente, tem a possibilidade da percepção, logo, das mesquinharias, das feiuras e doenças na alma. E que portanto, o fato de Deus amá-lo é mesmo um ato puro de perdão e graça, uma vez que nem ele consegue se amar. O amor de Deus é pura graça e perdão incondicional, "invalorável" e inseparável. Inconcicional porque não precisa de condições ideais para que nos alcance. "Invalorável" pois não pode ser comprado por nossos labores religiosos e cobre qualquer "valor" de pecado. E inseparável, pois "nada pode nos separar do amor de Deus." 

Portanto, diz Jesus: "Vá, perdoados estão teus pecados." Está estabelecido então o paradoxo e a proporção: o perdão é proporcional á nossa auto-consciência, pois nos revela o tamanho do perdão que recebemos. E que de fato nunca o saberemos, pois não há ninguém que se conheça por inteiro, mas o pouco que viermos a conhecer nos fará mais compreensivos e amorosos.  

Timóteo


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