Daniel na cova dos leões


Outro dia me deparei com esta obra de  Briton Rivière, pintor e aquarelista neo-clássico, nascido em Londres em 14 de agosto de 1840 (Wikipédia). A obra se chama "A resposta de Daniel ao rei", é inspirada na passagem bíblica na qual Daniel é lançado na cova dos leões por ordem do rei Dário, o Medo (Daniel capítulo 6). Enfim, gostei tanto que coloquei como imagem de fundo da área de trabalho do computador. Me peguei parado diante da tela do computador por alguns minutos meditando nessa bela obra. Apesar da obra de Rivière possuir contexto próprio, percebo nela arquétipos muito vívidos do Evangelho. Sendo assim, gostaria de compartilhar minhas impressões pessoais da obra à luz de algumas compreensões do Evangelho.

O primeiro aspecto que me chama atenção na obra é a centralidade da luz, todos os demais elementos da pintura reagem a ela. A luz é o centro da obra. Nem Daniel, nem os leões ou o espaço, a luz é elemento organizador do universo da obra. Daniel está com os olhos voltados para luz, bem como os leões que também permanecem focados na luz. A Luz é um dos arquétipos, imagens fundamentais do Evangelho, pois Jesus disse a respeito de si mesmo "Eu sou a Luz do mundo".

No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra, entretanto, era sem forma e vazia. A escuridão cobria o mar que envolvia toda a terra, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. "Disse Deus: “Haja luz!”, e houve luz. Viu Deus que a luz era boa; e separou a luz das trevas.

Ou seja, Jesus, é o elemento organizador de todo universo. O elemento cosmético do qual procedem a ordem, o significado e o propósito de todas as coisas. De modo que todo e qualquer universo, sem Ele, permanece em estado de caos e escuridão em busca de forma, propósito. 

O significado mais profundo da existência humana, sua plenitude subsiste na Luz, em Cristo, e apenas Nele. As trevas não são dissipadas pela satisfação daquilo que consideramos ser nossas "necessidades básicas", tampouco pelo estabelecimento das nossas vontades e a realização delas. As coisas passam a tomar seus devidos lugares, e caminhar para seus propósitos reais a partir da entrada da Luz na existência. Na história das religiões em todas as narrativas da criação o ser humano nasce a partir do casos, é produto dele. No entanto, na narrativa bíblica, muito embora o caos esteja presente e ameace a existência, a revelação bíblica afirma que nascemos da Luz amorosa de Deus, de modo que somos reflexo, imagem de Sua Luz e não produto do caos. Sendo assim, a resolução de nossas questões mais essenciais se encontram na decisão de manter-se focado na contemplação da Luz da Vida e não na tentativa de compreender o caos, ou mesmo dominá-lo.

O que nos leva à segunda questão. Na pintura de Rivière, bem como na leitura do texto bíblico, podemos observar que Daniel se ocupa prioritariamente da Luz e não com os leões. Os leões permanecem perplexos com a Luz, esquivando-se na escuridão. Esta também é a dinâmica do Evangelho. A luta humana não é travada contra os leões, a batalha de todo homem e mulher é por manter-se focado na Luz, mesmo quando os leões rugem. Infelizmente grande parte da nossa espiritualidade está baseada em receitas de como vencer leões, mas muito pouca ênfase é dada em como se manter na Luz. A prioridade de todo ser humano é manter-se focado na Luz. Pois é Ela que vence os leões famintos dentro e fora de nós. É a Luz que afugenta as feras tenebrosas que se esgueiram na escuridão da alma. Nas palavras do texto bíblico: "Eis que o meu Deus enviou o seu Anjo (o "Anjo do Senhor" trata-se de uma manifestação de Cristo no AT), e este fechou a boca dos leões para que não me ferissem (...), Em seguida, o rei ordenou que tirassem Daniel da cova, e testemunharam que não havia nenhum arranhão ou qualquer outro ferimento em todo o corpo de Daniel, pois ele havia confiado, continuamente, em seu Deus" (Daniel 6:22-23). O Evangelho de Marcos enfatiza que "ali (no deserto) esteve Ele (Jesus) por quarenta dias sendo tentado por Satanás; viveu entre as feras selvagens, e os anjos o serviram. Assim como Daniel e, sobretudo, Jesus, as feras sempre assediarão a vida, buscarão tragar com violentamente a vida dos filhos de Deus, as feras fazem parte da existência na terra. Contudo, é entre as feras que os anjos e manifestam, é das trevas que ecoa a poderosa voz que ordena: "Haja Luz".

Por último, apesar de Rivière retratar a luz que banha a cena de fora para dentro, diante da leitura do texto bíblico podemos inferir que não havia entrada de luz na cova, posto que a única entrada fora tampada com uma pedra para que Daniel não saísse. O Deus Criador é o Deus que cria a Luz do meio da escuridão. Nas palavras de Paulo: "porquanto foi Deus quem ordenou: “Das trevas resplandeça a luz!”, pois Ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo." (2 Coríntios 4:6). Ou seja, Deus trouxe Luz às densas trevas, do coração e da existência humana. Ele instalou em nós a Luz da Vida, para que aquilo que somos de fato, Cristo, resplandeça. De maneira que toda a escuridão, confusão e caos, sejam dissipados. De modo que o ambiente da nossa subjetividade antes lúgubre e tenebroso foi por Ele mudado em templo de Luz, ou no templo em cuja Luz habita. Mas, a maioria de nós não percebe o resplandecer de Deus no mundo pois vive focado em covas escuras e feras famintas.

Portanto, oro para que toda pessoa tenha olhos apenas para a Luz de Cristo, que toda pessoa se saiba desassombrada pela Luz de Cristo, para que à medida que a Luz irradie de seu ser as feras sejam vencidas e covas se tornem em templos.

Timóteo  


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