Quando a alma é esmagada

Na maioria das religiões se conhece o homem a quem é atribuido o epíteto de "pai da fé", sim, estamos falando de Abraão, o homem conhecido e reconhecido como o homem da fé pelas três maiores confissões religiosas do planeta (judaismo, cristianismo e islamismo). O fato é que esse homem tem a vida como sinônimo de mudanças e mudanças drásticas. A vida do cara é uma crise, o que me leva a crer que poucos (ou ninguém) tiveram uma psiquê tão forte como a dele. Forte no sentido de assimilar e superar rupturas e mudanças tão abruptas como as que ele sofreu, algumas absurdamente dolorosas. Forte no sentido de viver a existência de modo tão confiante diante de realidades tão angustiantes e inseguras. E acredito que por meio da vida de Abraão possamos aprender como não ter a alma aniquilada pelas rupturas, perdas, angústias, inseguranças e dores que a existência nos impõe. Perdendo assim o sentido e a vontade pela vida, que é quando a vida se torna depressão profunda.

1ª Ruptura e insegurança

A história de Abraão está narrada no livro do Gênesis a partir do capítulo 12. E diz que num determinado dia Deus fala com Abraão (que antes se chamava Abrão = `Avrâhâm) e manda que ele saia da "casa de seu pai" ou seja, que se aparte das terras de sua parentela, de todas as suas raízes, suas estabilidades sociais, econômicas, sua segurança e vá para outra terra que ele não sabia onde, "para terra que eu te mostrarei" Deus diz. Ou seja, ele nem sabia para onde iria. Por esse tempo Abraão já tinha uma esposa, servos, e não eram poucas pessoas, mas, lá vai ele... imagina como um cara explica essa situação em casa: "Gente (pai esposa, parentes, servos, etc.) eu ouvi a voz de um Deus que me disse para deixar tudo ir para um lugar que ele ainda vai me mostrar..." Dá para imaginar a cara de Sara, a esposa! hahahaha. Pois é... Insegurança total! "Para onde? Que voz é essa? Que deus é esse?" Ser inquirido por questões para as quais não se tem a resposta  e caminhar sobre elas é, no mínimo, uma porta para a insanidade segundo a "normalidade" da psiquê humana.

2ª Ruptura, insegurança e dor

Bom, ele sai de Ur e começa a andar com a galera toda e seu sobrinho Ló (com servos, etc.), encontra uma terra linda, Harã, e ali se estabelecem. Algum tempo depois Deus pede que Abraão se separe de Ló por conta de que estava havendo discussão entre seus servos por causa de terra e gado. Então Deus diz a Abraão manda teu sobrinho escolher as terras que ele quiser e que vá... e ele vai.

3ª Ruptura, insegurança, dor e angústia

Deus diz a Abraão que por meio dele abençoaria todas as familias da terra e que para isso lhe daria um filho do qual descenderiam nações. O tempo passa e nada de filho, muito tempo passa, anos e anos de transas e espera, espectativa... e então Sara dá a idéia de que Abraão tenha um filho com a escrava Hagar para que se cumpra a promessa, então ele se deita com a escrava e nasce Ismael. Aí pronto, quer ver o "circo pegar fogo" transforme um escravo em rei da noite para o dia. Ou um (a) idiota em celebridade do BBB... pessoas nessa situação sofrem do "surto de poder instantâneo". Foi o que aconteceu com Hagar, depois de dar à luz a Ismael, ela começou a humilhar Sara, de modo que Sara manda a Abraão que a mande embora com seu filho Ismael. E ele o faz, os manda embora para o deserto com algumas provisões para a viagem. Por esse tempo o menino já tinha aproximadamente 12 anos, imagine a dor de um pai despedir para o deserto um filho... a alma de Abraão deve ter ficado apertada dentro do peito, esmagada pela dor da separação...

Já deu para perceber que a vida do cara é marcada por uma insegurança existencial, como se o significado de viver fosse a própria insegurança, a falta de acomodação e as muitas dores das rupturas, saudades e por outro lado, superação, caminhada e dinâmica. A vida de Abraão é o oposto de tudo o que buscamos e esperamos, segurança, estabilidade e conforto psicológico. Sua existência é pura desinstalação, dinâmica, caminhada em direção do desconhecido, tudo isso em virtude de uma voz que só ele ouvia na consciência, no coração e em tudo mais, que o arrebatava e o guiava para o desconhecido e para o desenraizamento de tudo e de todos e até de si mesmo. Tenho certeza que em todas essas ocasiões de rupturas narradas em todas ele teve profundo sofrimento, dor, insegurança, mas o que o levava a ir sempre além? A Fé. A força que cresce no interior do ser humano que impede que a alma seja esmagada e aniquilada pela existência, pelas perdas e sofrimentos. 

Mas não termina por aqui, a maior dor, nunca vivida por nenhum outro homem ainda estaria por vir...

Timóteo

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