As preocupações de Paulo II

Eis o que vos anuncio [phemi]: o tempo [kairós], está sendo reduzido [sunestalmenos]. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem. aqueles que se regozijam, como se não se regozijassem; aqueles que compram como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo [kosmos, no sentido de sistema mundano, caído] como se de fato não usassem. Pois, o esquema [echema] deste mundo [kosmos] está passando” ICo 7.29-31

O que, enfim, Paulo está afirmando com estas palavras? Seria a sublimação de todas as atividades humanas em virtude da brevidade do tempo? Ou a negação da vida no mundo para vivermos uma espiritualidade "ghostgospel"? Presentes no mundo, no entanto, intangíveis em relação á vida humana e seus problemas, como a injustiça, a miséria e a opressão em todas as áreas da vida. Seria isso? Se olharmos atentamente, perceberemos que não.

Paulo está desvelando aos nossos olhos a característica mais marcante de nossa condição existencial nesta "presente era [aeon]": a relatividade! Não entendeu? Vou explicar.
Este tempo está marcado pela presença do Reino, que nos foi aproximado na pessoa de Jesus:

"Foi plenamente completado [peplerotai]o tempo [kairós]. O Reino foi aproximado de vós [eggiken]. (Marcos 1.15, literalmente)

Portanto, um tempo foi completado, em Jesus inicia-se o kairós [tempo oportuno] da aproximação do Reino. Tempo da presença do Reino entre os seres humanos, sinalizando e proclamando a futura absolutização do Governo de Deus sobre a Terra e a renovação de todas as coisas. O Reino já está entre nós. Jesus é o irrompimento da eternidade na história.

Em Jesus o Reino se tornou histórico, tomou cara, pôde ser visto pelos homens. Em Jesus o atemporal invadiu o tempo, o incorpóreo tomou forma, o invisível tornou-se paisagem, o impensável tornou-se palpável. O Reino invadiu a história para que jamais seja a mesma.

Contudo, ainda há uma história, ainda há uma temporalidade, ainda estamos limitados pelas contingências desta era e convivemos com todas as implicações destas limitações históricas, pois a eternidade, o Reino Eterno ainda não foi absolutizado sobre a Terra. Ainda o será.

Logo,  a existência da Igreja,  das pessoas que são Igreja, está profundamente marcada pela relatividade shakespeareana do "ser ou não ser". Esta é a condição existencial da Igreja, a relatividade, pois vivemos duas eras [aeones] ao mesmo tempo. Isso será resolvido em breve, na absolutização da era vindoura do Reino.

Por enquanto, vivemos com os antagonismos e relatividades dessa existência ambígua. Dor e consolo, alegria e tristeza, sofrimento e bonança, amor e apatia, ódio e harmonia, união e rivalidades, esperança e desespero... Porquanto, quando o Reino se absolutizar a relatividade desta era não mais se apresentará como parte da existência, "Deus enxugará do rosto toda a lágrima", o que é isto senão a absolutização das glórias do Reino. A paz será absoluta, a justiça será absoluta, a alegria será absoluta...

Sinto dizer Einstein, mas, o trabalho da sua vida estará obsoleto no Reino. Pois, já não haverá mais relatividades. O tempo e o espaço não mais existirão como contingências, serão uma única realidade em Jesus. Presente, passado, futuro, aqui e lá, todas as coisas serão em Jesus. Pois, foi propósito de Deus fazer convergir em Cristo todas as coisas. Ele, Jesus, é o absoluto em quem todas as coisas serão!

Enfim, Paulo está afirmando que a Igreja não deve se deixar absorver pelo caráter relativo desta era, antes deve buscar as "coisas do alto". Há,  portanto, duas implicações:

1. A Igreja tem uma prioridade: o Reino e a sua justiça.
2. A Igreja corre um perigo: Enredar-se em questões contingenciais, relativas, fadadas a serem engolidas pela eternidade.

O problema é que, via de regra, a Igreja faz das questões relativas (humanas) sua prioridade e desconhece o Reino. Quer exemplos práticos: usos e costumes em detrimento da vida de santidade; rivalidades denominacionais em detrimento à comunhão e unidade; a lei da igreja em detrimento do amor; a aplicação do dinheiro em coisas ao invés de pessoas... são tantos os enganos!

No entanto, até mesmo os enganos serão esmagados pela absolutização do Reino. Não estejais, pois, absortos em enganos e pela ambiguidade desta era para que não sejais esmagados pela "pedra angular". Se Deus descartou a estruturas religiosas de Israel por conta do Reino, quanto mais não fará a essa geração ignorante em relação à Sua vontade.  Portanto, "vede como andais. Não sejais como os tolos que não discernem os tempos, mas andai como sábios, remindo o tempo, porquanto os dias são maus."

Pr. Timóteo F. Santos

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