a bem-aventurança que muitos não podem pregar nem experimentar
“Bem-aventurados sois vós, quando vos
injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha
causa.
Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso
galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.”
(Mateus 5.11-12)
(Mateus 5.11-12)
Observe que a bem-aventurança e a recompensa estão relacionadas
diretamente à perseguição sofrida pelos discípulos. Mas, de que perseguição
Jesus está falando? Muita gente pensa
que essa perseguição se trata das querelas tontas que se travam no campo das
idéias e comportamentos religiosos. Aquela ideia que o “crente” é zombado por
causa da sua fé. De que os políticos querem fechar as igrejas evangélicas, que o
“crente” é perseguido porque não pode fazer barulho no culto, é perseguido
porque não pode falar contra a homossexualidade, é perseguido na faculdade
porque crê no criacionismo, porque não bebe, porque não fuma, etc. Tudo no campo
da religião e de seus comportamentos estereotipados.
A palavra grega usada por Mateus para registrar o dito de Jesus é ovneidi,zw,, [oneidizo
= “culpar”, “injuriar”, “insultar”], usada na *LXX (Neemias 6.13), por exemplo,
para transmitir o significado mais aproximado do hebraico @rx [hrp = “culpar”, “censurar”
com conotação específica de culpar alguém, conforme Dic. Int. de Teol. do AT.
p. 536]. Portanto, perseguição, nas palavras de Jesus tem a ver com ser
declarado, injuriado como culpado.
E, em sendo sentenciado culpado, consequentemente, perseguido [diw,xwsin] por quem lhe atribuiu
culpa para que pague a condenação devida. Jesus afirma que iriam culpar e
condenar os seus discípulos por causa dele.
Jesus equipara seus discípulos aos profetas, logo, fala da perseguição
contra os profetas: “porque assim
perseguiram os profetas que foram antes de vós”. Com isso Jesus coloca seus
discípulos na mesma linha dos profetas do Antigo Testamento. E de que foram
culpados os profetas, porque foram perseguidos?
Quem é o
profeta?
O profeta, nabî (heb.),
é aquele que carrega a palavra de Deus, não como uma pessoa que decorou um
ditado divino, não. O profeta é um ser grávido do Espírito de Deus. É alguém
que carrega, literalmente, aF'M;h; [hamassâh, heb.= o jugo, a carga, o fardo] que o Eterno lhe dá
(Habacuque 1.1). De modo que, o profeta é aquele que carrega em si o “fardo” da
comunicação divina e esse fardo se tona o centro gravitacional de seu ser, o
tomando por completo. Como um buraco negro que lhe consome todo o ser. É um ente
emprenhado pela Revelação de Deus, sendo gestado pelo Espírito, gerando comunicação
do Eterno aos seres humanos em contextos específicos. O profeta é um ser tomado
pelo Espírito. Os nabî não são
pessoas que têm uma mensagem, são pessoas tomadas pela Mensagem. Por isso os
profetas são introduzidos na história como aqueles a quem lhes veio a palavra,
o oráculo ou a visão do Eterno (Isaías 1.1; Miqueias 1.1; Jonas 1.1; Oseias
1.1; Ezequiel 1.1; Jeremias 1.2; etc).
A quem é
dirigida a mensagem?
Ao povo de Deus. O profeta denuncia o pecado do povo de Deus,
anuncia o juízo, convida ao arrependimento
e anuncia a promessa de perdão e restauração. Mesmo quando a mensagem se
estende a povos pagãos é sempre em referência ao povo de Deus, direta ou
indiretamente. Principalmente aos líderes do povo, os líderes da religião
judaica: a classe sacerdotal, a aristocracia.
E qual é a
mensagem que toma os profetas, qual é a mensagem do Espírito nos profetas?
Podemos
observar quatro elementos que compõe a mensagem profética:
1. Denúncia do pecado sistêmico: ou seja,
a denúncia do pecado como cultura, como modo de ser gente e ser comunidade. Nesse
aspecto o peso da mensagem é sempre esmagador contra a hipocrisia religiosa.
Pois o povo mantinha as mecânicas religiosas: os cultos, as festas, etc. Negando,
entretanto, a justiça e a misericórdia (Is 1.10-20; Jeremias 2; Amós). A
religião do povo de Deus havia se tornado tão nominal, cultural, vazia de
sentido para a vida e as relações de justiça e misericórdia que o Eterno
tornara-se, na estrutura de crenças, apenas mais uma deidade entre outras a
quem se prestava culto mas, sem qualquer significado prático quanto aos
sistemas de opressão e iniquidade (Oseias). Sobretudo, a denúncia do pecado
recai sobre a aristocracia judaica, a classe sacerdotal. Pois coadunavam com a
corrupção do povo, sendo a principal causa da degradação espiritual do povo de
Deus. Enriquecendo às custas dos pobres, valendo-se de suas prerrogativas
religiosas para dominar, oprimir e manipular as pessoas em nome de Deus. No
entanto, nada disso importava, pois os serviços do templo continuavam, a música
se ouvia, as orações, os sacrifícios eram imolados funcionando como
entorpecimento da alma, cegando o óbvio: Deus nada tinha a ver com aquilo. Porquanto,
numa estrutura social cujo pecado assentara-se como modo de ser, a denúncia
profética questionava não só as ações corrompidas dos indivíduos, mas
deflagrava a degeneração de toda estrutura social. E então o profeta, diz: “está
tudo errado, essa religião de vocês não tem nada a ver com Deus! O modo de
viver de vocês não tem nada a ver com Deus! O culto de vocês não tem nada a ver
com Deus! A espiritualidade de vocês é vazia de sentido e o coração de vocês
cheio de maldade e mentira. E tem mais, os principais responsáveis por esse
circo todo são vocês, os pastores que falam em nome de Deus, mas que adoram
somente ao dinheiro e ao poder!” (Oseias 5; Isaías 28). 2. Diante disso ele
anuncia o juízo de Deus: “Deus vai
acabar com esse ‘teatrinho de fantoches’ de vocês”. 3. Convite
ao arrependimento: “mas ainda dá tempo, parem agora com essa palhaçada que
vocês chamam de religião, apliquem-se ao bem, à verdade, à justiça e à
misericórdia.” (Oséias 4; Isaías 1; 58) 4. Promessa
de perdão e restauração: “e se, somente ‘se’ houver arrependimento, então o
Eterno lhes poupará e lhes ensinará a justiça”. Esses elementos estão presentes
na boca de todos os profetas. Por causa dessa mensagem, foram rechaçados por
suas famílias e abandonados por seus compatriotas. Sobretudo, o que é mais
importante, foram declarados pelos líderes religiosos como hereges, acusação
que legitimava matá-los. Ou seja, os profetas sofrem a rejeição dos seus
patrícios, mas, morrem sob os auspícios dos teólogos (aqueles que falam em nome
de Deus). A principal culpa atribuída ao profeta é a de ser herege. E, portanto, condenado à morte.
O Messias é o profeta por excelência (Isaías 61). Por isso Jesus
se entende O Profeta prometido para a revelação última e total da salvação de
Deus: “O Espírito do Senhor está sobre
mim, porque me ungiu” (Lucas 4.18-19). Jesus de Nazaré é a plenitude da
profecia. A revelação plena, ele é O Mensageiro e a Mensagem. Ele é O Enviado. Jesus
é cheio do Espírito, dirigido pelo Espírito, agindo no poder do Espírito (Mt
3.16; 4.1). Jesus foi enviado aos “da casa
de Israel” (Mateus 15.24). Anuncia o juízo sobre os impenitentes: “Ai de vós” (Mateus 23s). Convida ao
arrependimento: “Arrependei-vos, pois o
Reino está próximo” (Mt 4.17); “perecerei
todos do mesmo modo se não vos arrependeres”(Lucas 13.1ss). Ele É a
realização das promessas todas de perdão e restauração de tudo, realidades
visíveis e invisíveis. “Hoje se cumpriu
aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lucas 4.21). De maneira que
o próprio povo o considerava profeta poderoso em poder e palavras de autoridade
(Mt 7.28; 21.46).
Com efeito, da mesma forma que
os profetas do passado, Jesus sofreu rejeição por parte de seus consortes em Nazaré,
a ponto de procurarem-no para lhe tirar a vida (Lc 3.28s). A própria família não
cria nele, pensavam estar louco, pediram para que ele atestasse sua autoridade
profética em Jerusalém se de fato o era (João 7.5).
Todavia a perseguição de fato, assim como os profetas que o
antecederam, se dá por parte da liderança religiosa judaica. Isso porque Jesus
denuncia o pecado sistêmico, tanto o modus
operandi religioso maligno que geria as mentes das pessoas na base da pirâmide
social, denuncia, sobretudo, o pecado dos líderes religiosos (fariseus/escribas
e saduceus [sacerdotes e oficiais do templo]), que são os gerentes do sistema
maligno. Pois a mensagem de Jesus desconstruía toda organização religiosa,
fazia ruir as bases do sistema religioso do qual os líderes judaicos extraiam
poder, prestígio e muito dinheiro. Mais que isso, a mensagem de Jesus
questionava toda organização social de seu tempo. Obrigava a revisão de todas
as relações pois absolutiza a igualdade da mulher em dignidade, absolutiza a
criança, mesmo que improdutiva do pondo de vista econômico, absolutiza a
liberdade do ser humano em relação a outro ser humano. Relativizava a religião
judaica e as tradições religiosas, relativizava o culto e lugares sagrados,
relativiza o valor do dinheiro, relativiza os poderes e as hierarquias. Questionava
os modelos de espiritualidade, os sistemas de governo, as políticas públicas.
Tudo em virtude de um projeto chamado Reino de Deus. Obviamente que, para os gestores do sistema
social injusto fundamentado sobre os pilares da religião, a mensagem profética
de Jesus é extremamente ameaçadora (Ainda é. E eles ainda tremem diante do Evangelho).
De modo que os freqüentes debates entre O Profeta de YHWH e os managers do sistema religioso judaico
são essencialmente teológicos. Nos quais os adversários de Jesus procuram meios
legais para desacreditá-lo como profeta e ocasião para calá-lo. Desta forma,
arranjam tudo para que O Profeta seja condenado e morto sob a acusação de
herege, blasfemo: “Então o sumo sacerdote
rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou;
para que precisamos ainda de testemunhas?
Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia. Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte.
Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam, dizendo:
Profetiza-nos, Cristo, quem é o que
te bateu?” (Mt 26.65-66)
Jesus diz que seus discípulos sofreriam de perseguição da mesma
natureza, mas que, no entanto, se alegrassem, pois seria grande sua recompensa!
Mas, porque os evangélicos jamais experimentarão essa bem aventurança? Respondo
no próximo texto.
Felizmente
culpado,
Timóteo
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