O Evangelho que aprendi com meu pai

Peço permissão para falar do que me é próprio, sem, no entanto, falar de mim, mas comunicar o Espírito do Evangelho. 

Sou filho de pastor batista, e como era de se esperar, estive sempre inserido,  a reboque, nos ambientes religiosos, vivendo a experiência singular e forçosamente amadurecedora de ser "filho de pastor". De modo que, conheço, minimamente, todas as circunscrições da religião, seus discursos morais, suas gaiolas dogmáticas e as óbvias teatralidades realizadas em seus âmbitos, porque observei a ambiência religiosa de muito perto. No entanto, hoje percebo que, muito embora imerso no contexto religioso, algo em mim parecia jamais coadunar com as dinâmicas teatrais da religião. Pois jamais vesti a máscara do "filho do pastor". Pelo contrário, desde muito cedo, mesmo sem ter bases intelectuais para compreender meus próprios processos de alma, já havia em mim princípios arraigados no coração, discernindo que para além daquele cenário religioso jazia algo maior, verdadeiro, o Evangelho. Princípios que desembocavam em duas atitudes internas, primeira: a rejeição dos esteriótipos da religião e seus mecanismos; segunda, a atração crescente pela pessoa de Jesus e pela verdade a respeito dele. Mas como isso? Como pode ser que, tendo vivido meus dias de formação da psiquê e da personalidade dentro de um contexto religioso, não tenha ficado adoecido, contaminado e abobalhado pela religião? 

Por causa do meu pai, ele me ensinou o Evangelho.

Não estou falando das histórias bíblicas, estou falando do Evangelho. Meu pai nunca me ensinou uma história bíblica. Me ensinou a Verdade.  Quando e como ele me ensinou o Evangelho?

Meu pai é um homem muito prático, não dado a elucubrações e abstrações filosóficas, portanto, tudo o que aprendi foi na prática da observação de um grande homem.

Com ele aprendi a liberdade do Evangelho. Ele nunca deixou de fazer nada que considerasse decente, mesmo que do ponto de vista da religião não o fosse. Ele não faz tudo o que quer, mas realiza todo necessário de acordo com a consciência que ele tem na Graça. Com isso digo que aprendi com ele não negociar minha consciência e convicções e submetê-las somente a Jesus.

Com ele aprendi a obediência a Deus. Nunca vi meu pai abaixar a cabeça para homem algum, tratou gente rica, autoridades, da mesma maneira que tratou gente simples. Não se submeteu a homens nem às suas demandas. Mas o vi chorar várias vezes ao falar da fidelidade de Jesus em sincero curvar-se diante Dele. 

Com ele aprendi o Evangelho como verdade do ser. Nunca vi meu pai teatralizar em nenhum de seus relacionamentos. Sorriu para quem queria sorrir, fez-se sisudo para quem não queria sorrir. Abraça só por quem tem afeto. Chora quando triste. De maneira que, o vi relacionar-se com Deus com a mesma sinceridade, na solitude ou diante da congregação.

Com ele aprendi o discernimento espiritual, ou se preferir, a sensatez espiritual. Meu pai nunca se deixou impressionar por performances religiosas, não chamou ebulições emocionais de "presença do Espírito". Sem, no entanto, perder a sensibilidade e a ternura de coração. Tampouco se impressiona com as "santidades" dos religiosos. Contudo, aprecia e se faz amigo de gente de caráter reto.

Com meu pai aprendi a simplicidade do Evangelho. Nunca aderiu a movimentos, nem os carismáticos, nem os pragmáticos (de crescimento de igreja). Ele apenas confia no Espírito. Ele tem aversão aos "animadores de platéia", repudia os "show man da fé", homens de platéia.    

Vi meu pai orar no Espírito e tomar decisões práticas com a mesma intensidade. Aprendo com ele que, em Cristo, não há cisão no ser. De modo que, experiência no Espírito e boa consciência cotidiana são mesma face de uma espiritualidade sadia. 

Vejo meu pai aprender mais de Deus com as dificuldade sofridas no corpo. Que em última compreensão é o esmagamento da alma por Deus. E por amor a Deus ele  permite ter o ser achatado, todavia, tornando-se cada vez maior em amor, no Evangelho. 

São tantas lições no Evangelho sem que ele tenha dito uma única palavra... Nunca me ensinou teologia, mas, me transmitiu o DNA do Evangelho, incomparavelmente maior que os laços sanguíneos. 

Meu pai me transmitiu desde sempre o antídoto contra as perversidades da religião, o remédio contra as doenças da alma. Me capacitou para uma vida de relacionamento com Deus, uma vida de liberdade: o Evangelho simples de Jesus.  
  
Obrigado pai,

Timóteo

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