abandonando as máscaras de nós mesmos: a cura para todo "evangélico"

Jesus ensina seus discípulos:

"quando orardes não sejais como os hipócritas, pois que apreciam orar em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem admirados pelos outros. Com toda certeza vos afirmo que já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando orares, vai para o teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará plenamente" (Mateus 6.5-6 KJ)

Essas palavras de Jesus estão inseridas num contexto mais amplo que se refere à relação dos discípulos com Deus, referidas como sendo as "obras de justiça", que são os sinais externos de quem tem relação com Deus. Portanto, o contexto geral fala a respeito de como se dá a espiritualidade do discípulo de Jesus, como deve ser sua relação com o Pai. Um dos exemplos que Jesus utiliza para ensinar os discípulos a respeito dessa relação com o Pai é a oração (considerada pela tradição rabínica uma obra de justiça, bem como o jejum e as esmola, ou obras de caridade). E ele começa instruindo aos discípulos como NÃO fazer:

1. "não sejais como os hipócritas": A oração no contexto judaico trata-se de um ofício religioso. São orações fixas, decoradas para serem recitadas de acordo com a ocasião, de modo que, há orações para o início do trabalho na sinagoga, orações específicas para ocasiões festivas, orações para certos horários do dia e assim por diante. Na vida cotidiana a tradição rezava a oração três vezes por dia em horários determinados. Os judeus hipócritas (mascarados, referência ao teatro helenístico e a seus atores que usavam máscaras em suas performances), principalmente a classe farisaica, em se aproximando o horário da oração faziam de modo a estar em lugares públicos para serem vistos pelos homens no exercício de sua "piedade".

Jesus adverte a seus discípulos a não tomarem essa espiritualidade como modelo, pois em agindo dessa maneira os discípulos transformariam a relação com o Pai num teatro. E, de fato, a espiritualidade da hipocrisia faz da vida com Deus um teatro, uma performance para ser vista e faz da vida um palco de vaidades. Em outras palavras neste modelo a relação com o Pai consiste meramente em performances comportamentais. É a adestramento do ser pela moral religiosa, social, estatal, etc. É a espiritualidade na qual as pessoas representam o tempo todo para se encaixarem ao padrão da mediocridade social. Trata-se da domesticação comportamental do ser, uma mascaração do ser expressa em "teatralizações" comportamentais. Quando na verdade não há encontro, nem relação com Deus na subjetividade. Pois Deus não tem interesse nenhum em ser "plateia" dos teatros das vaidades humanas e suas dissimulações. Para a maioria das pessoas Deus é um ser a ser entretido pela apresentação de comportamentos "aceitáveis", "santos", sendo que o que importa é que no final da minha vida Ele tenha se agradado da minha performance. De modo que, aqueles que não vestem máscaras comportamentais religiosas não o agradarão, logo, irão para o inferno. Ah!  O deus dos evangélicos e dos religiosos em geral é um ente que remonta as primitividades do paganismo. Parece uma criança mimada assistindo a um teatrinho de fantoches, que se chateia profundamente se a performance não o agrada, cultivando birras celestiais pela eternidade. Um "exu" é mais sofisticado que o deus dos religiosos. Não se preocupe, Deus não vai entrar em crise existencial, em prantos angustiantes, pela falta dos nossos teatros religiosos, da nossa "adoração", nossos cultos, nossa música... Não por acaso, o pior inferno para os "crentes" é o anonimato. 

Nesse paradigma de espiritualidade não existe encontro com Deus porque o Pai está no "segredo", nos bastidores da alma humana, Ele não se ocupa com o que representamos mas, com o que somos. O Pai não é um diretor de performances, é um transformados de pessoas. Os que assim receberão como recompensa apenas os aplausos das pessoas de acordo com sua performance, mas, não receberão nada do Pai. Pobres, viciados em representar, não conseguem acessar o "secreto". Não conseguem mais descer aos ambientes do próprio ser, perderam a capacidade de se enxergar, de se discernir. Já não sabem mais o que é máscara e o que é cara. Acreditaram na própria mentira, convencidos de que o Pai cedera às suas dissimulações.

2. E então Jesus ensina como deve se dar a relação com o Pai:  "Tu, porém, quando orares, vai para o teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto, e teu Pai que te vê em secreto, te recompensará.":

 Por isso Jesus ensina, "entra no teu quarto", sem a necessidade das representações sociais. Pois o ambiente do encontro com Deus não é o palco é a subjetividade do ser. É lá que o pai se encontra, no "segredo" do ser. No quarto, a portas fechadas é só você e o Pai, e Ele conhece plenamente seu ser, portanto, diante dele cessam todas as máscaras, as performances, Ele me conhece! Mais ainda, a palavra "quarto" no grego (tameion) , refere-se ao "quarto da dispensa", o "depósito". Não se trata de uma bela sala de visitas, ou um quarto no qual, normalmente, se receberia alguém. Implicando dizer que, para Deus não há em nós ambientes psicológicos que sejam mais sagrados que outros, pelo contrário, é nos ambientes mais entulhados, sujos e escuros de nosso ser que o Pai quer nos encontrar. Lá onde não há performances, só realidade, só verdade. É lá que Ele está. Nesse ambiente da transparência do ser, no qual eu me encontro com Deus com a "face descoberta", sem os "véus" comportamentais da religião. Além do mais você deve se lembrar de que a figura de "entrar e fechar a porta" é recorrente nas Escrituras (profetas, livros sapienciais, etc) como sendo a imagem preparatória para a libertação do povo de Deus de sob o jugo das forças opressoras hostis a Deus e a seu povo, como no caso da libertação do Egito (Ex 14; Isaías 26.20-27.1). Deus manda seu povo entrar em seus quartos, casas, fechar as portas, enquanto ele realiza a justiça, a salvação e a libertação do seu povo. Ou seja, quando nos encontramos com o Pai na realidade do nosso ser Ele mesmo se encarrega de nos libertar das forças hostis que nos aprisionam. O Senhor coloca ordem na nossa casa quando não hesitamos em lhe abrir todas as portas, até as dos quartos mais feios. Quem assim age recebe a recompensa do Pai. Só a verdade diante de Deus pode curar o nosso ser e nos libertar dos medos e das pulsões mais profundas. Pois todas as doenças da alma se alimentam da mentira e do medo.

Achegue-se confiantemente, com a cara nua, limpa diante de Deus, ele te conhece! O Pai ama quem somos e não o que representamos. E assim, seja liberto, curado, salvo.

Timóteo

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