Jesus, o Deus que estendeu a mão

"Certo  leproso aproxima-se  de Jesus e suplica-lhe de  joelhos: “Se for da tua vontade, tens o poder de purificar-me!” Movido  de grande compaixão, Jesus estendeu a mão e, tocando nele, exclamou: “Eu quero. Sê purificado!” No mesmo instante toda a doença desapareceu da pele daquele homem, e ele foi purificado." (Marcos 1.40-42)

Este é um daqueles textos que pela sua simplicidade e poder de síntese passa desapercebido pela maioria de nós. No entanto, ele se refere ás questões mais básicas e poderosas do Evangelho de Jesus, porque fala daquilo que o Senhor fez por nós. 

Leproso, conforme a lei de Moisés (Levítico capítulos 13 e 14) era qualquer pessoa que apresentasse doença crônica de pele. De modo que se alguém tivesse marcas na pele, especialmente manchas esbranquiçadas, era levado ao sacerdote (que atuava como um agente sanitário) para averiguação e indicação de tratamento. Em havendo tratamento e cura, a pessoa deveria oferecer um sacrifício para que lhe servisse de testemunho da "cura" perante a comunidade. Pois, até que não sarasse da doença o indivíduo ficava em "quarentena". Sobretudo, se fosse verificada a cronicidade da doença, em não havendo cura, a pessoa era considerada "leprosa". Era retirada do convívio comunitário, deveria viver fora da cidade, lhe rasgavam as roupas e lhe desgrenhavam os cabelos para que fosse facilmente reconhecida pelo aspecto repugnante, sendo-lhe proibida qualquer contado com as pessoas, não podia entrar nas cidades e povoados sob pena de morte. Se caso houvesse perigo de proximidade com outras pessoas, o leproso deveria gritar "leproso! leproso", para que fosse identificado e assim não recebesse contato com outras pessoas para não haver risco de contágio. Estava assim excluída permanentemente da comunidade de Israel, do povo de Deus. O leproso é um "sem família". Sobretudo, o leproso era um alguém sem um deus, pois não lhe era permitido entrar no templo. Do ponto de vista da consciência religiosa da época, o leproso era um ser amaldiçoado por Deus por causa do pecado dele próprio ou dos seus pais, etc. Portanto, o leproso é alguém completamente incapacitado para os relacionamentos em virtude de sua condição, suas marcas, é um ser não-relacionável. Uma pessoa condenada a vagar por cavernas e caminhos de solidão. Sendo rasgada e desfigurada sempre e cada vez mais por sua condição e pela dureza da vida solitária. Repugnada pelos outros, por si mesma e segundo a crença, por Deus.

Esse é o contexto histórico-cultural do homem que se aproxima de Jesus, um "leproso", uma pessoa em condição de "maldito de Deus", rasgado, desfigurado, repugnante aos sentidos das outras pessoas, arrancado de sua família, de todos seus relacionamentos, por conta de sua condição. E, de acordo com os evangelhos, Jesus descia do monte no qual profere o "sermão do monte", entrando num povoado, cercado de grande multidão lhe vem de encontro o leproso. Algo impensável, pois o leproso estava assinando sua sentença de morte ao entrar na cidade, alvoroçando a multidão, pois era impossível que passasse desapercebido. Mesmo sem gritar "leproso, leproso!". Certamente seria morto. Mas sua audácia não para por aí, como se não bastasse tamanho pecado em quebrar a lei de Moisés violando as ordenanças de solidão, o leproso, se ajoelha diante de Jesus com o rosto em terra, o que significa um ato de "adoração", como narrado por Mateus. Nisto o leproso viola outra lei, a maior lei da religião judaica, o primeiro mandamento, "não terás outros deuses diante de mim", e o leproso estava adorando a um homem, Jesus de Nazaré, filho de José o carpinteiro. Teria o leproso sido tomado de desejo suicida na intenção de encerrar uma vida miserável? Certamente que não.

O leproso foi tomado de fé. Tendo ouvido a respeito de Jesus e das curas que estava realizando foi tomado de fé. Uma fé cada vez mais maior e crescente em seu peito, a ponto de cometer o absurdo que só a fé pode realizar. O absurdo de crer que Jesus é Deus. Sim, pois ele só se curvou diante de Jesus porque lhe foi revelado como consciência, como um saber da fé, que aquele homem de Nazaré era Deus encarnado! Milagre. Segundo: ele creu que Deus era amor. Pois que Deus e quem o aceitaria sendo ele repugnante até para si mesmo. Tendo sido estigmatizado como um maldito, que Deus o aceitaria? Pura fé! 

O resto é consequência lógica, pois se Jesus é Deus e Deus é o Criador Todo-Poderoso, e Ele é amor, logo, ele me receberá, porque ama e me curará, se quiser, pois tem poder. Por isso que toda a fé para ser curado é sempre fé no amor de Jesus. A fé salva porque fé que salva é fé de Jesus é o Deus que ama. E Jesus é quem diz ser então tudo é possível. Fé não é um poder pessoal da mente que alguns tem e outros não, fé é saber como consciência que Jesus é o Deus que ama. O leproso foi tomado dessa consciência, Jesus é o Deus que ama. E ele pede para ser "purificado", para deixar de ser um morto andante. Implora para voltar a ser gente que abraça e que é abraçado, que beija, que sente o cheiro da vida, que sorri e recebe sorrisos de volta, ele suplica para viver novamente. 

Jesus vendo-o, foi "compadecido", literalmente, "foi comovido em suas entranhas". Jesus ao vê-lo foi tomado de um amor entranhavelmente apaixonado por aquele bicho-homem putrefato e com um gesto o traz de volta à vida. Jesus "estendeu a mão". Como quem diz "vem pra cá para o meu o peito". Jesus poderia tê-lo curado ao longe, com uma palavra? Claro que poderia! Mas, porque tocá-lo? Porque Jesus está sinalizando como Ele mesmo curaria e curou a humanidade toda na cruz, em sua morte. A morte de Jesus é esse estender de mão de Deus à humanidade. A respeito dele é que o salmista diz: "Ele nos tirou das trevas e da sombra mortal, e quebrou as correntes que os prendiam." (Sl 107.4). Ele mesmo afirma "quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim" (João 12.32),  ou seja, Jesus nos tirou de uma condição de apodrecimento e morte e nos trouxe para Si, para a vida. O vocábulo grego "purificar" literalmente significa "purificar para uso sacro". Na cruz Jesus separou  a humanidade para Deus. A regenerou. Estendeu-lhe a mão e a trouxe para o peito em entranhável amor e assim fomos feitos "filhos de Deus" junto com o leproso. Sim , filhos, pois fomos inseridos novamente à comunidade de Deus, à Sua Cidade Santa, à Sua família. Fomos trazidos, em Jesus, para o peito de Deus, para o aconchego da Sua Graça. Fomos feitos filhos!

Como se isso não bastasse, os evangelistas, sem restrição, fazem questão de registrar que Jesus "tocou-o". Jesus levou as mãos às feridas do leproso num escândalo de amor gratuito e explícito. Afundou a mão na sua podridão em aceitação profunda e irrestrita. Curando as purulências mais fétidas, e as dores que lhe assolavam o todo corpo. Jesus não estava só aceitando o leproso, o estva re-criando. Porque para Jesus, curar é criar alguém novo. O mesmo escândalo de amor com que Deus cria o ser humano. O eterno cria todas as coisas pela Palavra, contudo, quando da criação do ser humano faz questão de enfiar as mãos no barro vermelho e em amor apaixonado coloca a boca na boca (nephesh heb. [boca, garganta] como no Salmo 63 a nephesh que tem sede e fome de Deus, ou no Salmo 69, a nephesh sufocada pelas muitas águas) do boneco de barro morto e lhe traz a vida. Num beijo de vida Deus cria a humanidade. A cruz é o beijo da vida, a expressão máxima última de amor eterno na qual Jesus nos re-cria. E foi assim. Ele ficou limpo, foi recriado.

O que isso tem a ver com você? Tudo! Muito embora não carreguemos na pele as marcar da lepra e a morte putrefata no corpo, levamos a morte no ser, em todos os âmbitos da existência e na alma as marcas das muitas doenças de existir num mundo morto e doente. Qual de nós não foi marcado na alma por privações afetivas que nos traumatizaram? Quem não sofreu violências, abusos de todos os tipos? Quem não teve a alma rasgada, feita em trapos por traições e abandonos? Todos nós. E em consequência de todas essas marcas  nos tornamos seres marcados, estigmatizados, em diversos aspectos. Mulheres que não conseguem estabelecer vínculos afetivos com homens em razão de abandonos, abusos. E vice-versa.  Pessoas aos milhares que não conseguem amar nem ser amadas, não conseguem tocar nem ser tocadas com amor. São tantos os casos e as particularidades que não é possível descrevê-las aqui, até porque cada ser humano é um universo. São tantas as marcas e dores da alma.  Gente que ouviu a vida toda que não presta, que é "vagabunda", "preguiçoso"... e que internalizou essas palavras tornando-as marcas na alma. Todas esses estigmas tornam-se com carmas do ser, programações para a existência que nos impedem que nos relacionemos de modo a sermos felizes e realizados. Desfiguram nosso ser, nossa identidade, efetuam em nós o "desgrenhamento do ser" como os cabelos e o rosto do leproso ", nos levando a percorrer ambientes solitários e tenebrosos por conta do medo de não sermos aceitos em nossa condição, que é a certeza de que não podemos ser amados. Procurando sanar os vazios afetivos em soluções fantasiosas que não resolvem e só aprofundam os vazios no peito.

Mas a verdade é uma só para todas elas, e a verdade é que: o leproso, as marcas, as roupas rasgadas, o rosto e a identidade desfigurada morreram. Os abusos, os traumas, os abandonos e todas as marcas deles decorrentes morreram na cruz. A "vagabunda" morreu, assim como o "imprestável", a "traída", "o abandonado". Todos mortos com suas carências e dores. Porque Ele nos estendeu a mão. Nele está todo o amor. Jesus nos puxou para ele. Mesmo que estejamos com a alma em farrapos, com o ser coberto de podridão e feridas, com o rosto desfigurado e cansados da solidão. Mesmo que nos sintamos amaldiçoados. Ele não se envergonhou de nós, nos estendeu a mão, criou uma nova pessoa por Seu amor. Nos amou e nos ama escandalosamente, sem pudores, em graça sobre graça. Em beijos inefáveis de vida, alegria e plenitude eterna. Deus nos fez seus filhos amados num espetáculo de amor para que todo universo visível e invisível soubesse que somos Filhos! Meteu a mão nas nossas feridas e nos fez filhos de Deus. De modo que, não temos mais necessidade dos amores ilusórios, nem dos encontros que matam. 

Se você crê que Jesus é o Deus que "estendeu a mão" você foi re-criado e Filho de Deus é quem você é!

Timóteo

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