o que é o culto no evangelho?

Romanos 12:1-21. Esse é um daqueles texto muitíssimos conhecidos dos cristãos, mas, que por serem muito citados e ensinados de acordo com a "tradição" que dá a ele caráter moralista, jamais se entende o que realmente ele diz. Primeiro que quando ensinam a respeito desse texto só leem os versículos 1 e 2, rompendo com todo sentido do texto. Paulo está definindo nestes versículos o que é o culto do discípulos de Jesus, "que é o vosso culto". O que, evidentemente, responde à pergunta. O que é o culto? Paulo nos dá algumas características:

Primeira característica do culto a Deus: O culto a Deus é a experiência existencial da graça. 

"Rogo-vos, pois, pelas misericórdias" (v.1). O vocábulo "pois" [ greg. oun] é uma conjunção coordenada, que estabelece relação de causa e consequência entre duas sentenças. No contexto do versículo primeiro do capítulo 12 a conjunção "pois" indica que o que se segue é consequência do contexto imediato anterior. Paulo vem tratando da misericórdia de Deus como único meio de salvação para os judeus assim como para os gentios, e que Deus por sua misericórdia levaria seu propósito de salvação a todos, judeus e gentios. Num contexto mais amplo, a carta aos Romanos  dos capítulos de 1 a 11 são um tratado no qual Paulo afirma o fundamento da fé em Jesus, todas as coisas, a salvação são produto único e exclusivo da graça de Deus. De modo que, o culto, não é diferente, o culto é resultado da graça na vida daquele que crê na misericórdia de Deus revelada na cruz de Jesus. 

No contexto do culto, esta verdade é revolucionária. "Culto" [greg. latreuo] significa "o serviço sobre o qual se realiza pagamento", posteriormente o vocábulo passou a ser usado no contexto religioso para o serviço dos sacerdotes, o serviço sagrado. De maneira que no Cristianismo, a ideia de culto passou a ser cada vez mais, no decorrer da história, como uma vida e "trabalhos" sacros com o objetivo de receber uma recompensa no final. A lógica cristã em relação ao culto é a lógica do rendimento. As pessoas entendem que a misericórdia de Deus está condicionada ao seu desempenho "espiritual", ou seja, a frequência , aos "trabalhos do Senhor" (eventos da "igreja"), serviços prestados num contexto institucional desempenhando funções dentro da "igreja. Isso somado à uma conduta moral que se adeque às exigências sociais do grupo. Em sendo cumpridos tais serviços, o resultado certamente será o favor do Senhor e a salvação.

No entanto, no Evangelho não é assim. Culto no Evangelho é o serviço que se realiza por um pagamento já recebido. O culto é consequência da cruz, que é a misericórdia de Deus,  na existência. Pois a cruz nos liberta do pecado, como condição existencial, para "vivermos para Deus". De maneira que está eliminada diante de Deus qualquer lógica de "rendimento religioso". Pois, o pagamento foi feito antes que houvesse qualquer "serviço" da nossa parte. Culto é resultado da graça na vida de quem crê.

Segunda característica: o culto é o projeto existencial da graça - "rogo-vos"(v.1) 

A graça de Deus encerra em si uma vocação, um chamado: "libertos do pecado, ressuscitados com Cristo, vivam para Deus" (Rm 6:10s). Primeiro: culto é um projeto de vida. Segundo: quem nos chama ao "culto" é Deus. Não somos nós que "chamamos" Deus para o culto. Deus é que nos convida a um projeto de vida possibilitado pela sua graça. Não somos nós que chamamos Deus para nossos projetos e estruturas. A questão é que por conta do esvaziamento do Evangelho no Cristianismo, as pessoas desconhecem qual seja o projeto de Deus para a vida, não sabem o que Deus considera como "culto". Consideram que o projeto de Deus para a humanidade é que toda ela se torne em "crentes evangélicos", "protestantes", "católicos". Será mesmo que você acredita que o objetivo da cruz era produzir o que somo hoje? Era produzir o Cristianismo e que essa religião dominasse o planeta. Esse só pode ser um projeto do diabo. O "culto" é o projeto de vida eterna. Uma existência com qualidade eterna, em cujos processos de morte já não tem mais domínio, uma vida na qual seu final é a formação plena de Cristo em nós. Pois em tudo o que ele é, assim seremos também. Isso é "culto".

Terceira característica: o culto é a oferta da totalidade da vida - "que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus".(v.1) 

Paulo está usando a imagem do sacrifícios de animais, e é evidente que o animal sacrificado se compromete plenamente com o sacrifício, pois, tem sua vida, por meio da oferta do corpo, empenhada no sacrifício. De modo que, o "culto" a Deus é a vida toda imersa na graça. E da graça invadindo toda  existência. Por isso mesmo que a oferta é do corpo. Pois o corpo somos nós na existência, na mediação com o mundo, são nossos relacionamentos. Tudo realizado por meio do corpo. Logo, culto implica da totalidade dos nossos relacionamentos e todos eles se dão por meio do corpo. De modo que a qualidade do seu "culto" pode ser medida pela qualidade de seus relacionamentos.

Quarta característica: o culto é "racional" - "que é vosso culto racional".(v.1) 

Não podemos cometer aqui um anacronismo conceitual. Ou seja, tomar o conceito cartesiano que temos de "racional" e aplicá-lo ao texto. Para nós hoje, racional é tudo aquilo que se dá via razão enquanto processo epistemológico (relativo ao conhecimento). Essa concepção, racionalista, nasce em Descartes, "penso logo existo", que se verifica, hoje, no mito científico, ou seja, tudo o que pode ser provado cientificamente é verdadeiro. No entanto, "racional", para Paulo significa a totalidade do ser, emoções e vontades. "Culto" é a totalidade do ser que, por conta da graça, se torna cativa a Deus. O que só pode ser realizado pela graça, pois quem dentre nós pode submeter a própria vontade? Você consegue cumprir o regime que prometeu começar na segunda? Pois é... só a misericórdia de Deus submete nosso ser a Ele mesmo.

Tendo dado essas características no primeiro versículo, a partir do terceiro versículo, Paulo vai dar exemplos práticos do que é o "culto", o que é experimentar a graça, na vida de modo muito claro e objetivo, o "culto" do discípulo de Jesus no seu aspecto prático é, portanto:

(v.3) "Pois, pela graça...", culto a Deus é viver com moderação.
(v.4-8) Culto é exercer os "dons", que são manifestações da graça em nós, para a edificação das pessoas.
(v.9-10) Culto é amar.
(v.11-12) Culto é ter o projeto de Deus para nós (esperança) o chão da existência. Assim, seremos pacientes na tribulação e perseverantes em oração, "que venha teu reino".
(v.13) Culto é compartilhar as necessidades uns com os outros.
(v.14) Culto é abençoar os que nos perseguem.
(v.15) Culto é alegrar com com está alegre. Culto é não ser egoísta. E, chorar com quem está chorando, ou seja, culto é ter compaixão.
(v.16) Culto é ser condescendente com o humilde, ou seja, é descer com meu irmão até onde for necessário para que cresçamos juntos.
(v.17) Culto é pagar o mal com o bem.
(v.18) É procurar ter paz com todos.
(v.19-21) Culto é vencer os sistemas malignos com o bem.

Se estivermos em culto, não tomaremos a forma do sistema maligno, mas, pelo contrário, seremos transformados pela renovação do nosso entendimento e então experimentaremos a vontade de Deus.(v.2)

Evidente que o culto, o "serviço sagrado" que Jesus espera de seus discípulos não é cantoria, nem marcha, tampouco ajuntamentos religiosos... Servir a Deus é a vida que procede a experiência da sua graça!

Em culto,

Timóteo

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