Não tenha medo!

A natureza não conhece afeição. O mar não se apieda de quem não o respeita. Não faz distinção de pessoas, traga a qualquer um que ignore sua força destrutiva. As águas arrastam ricos, pobres, crianças e velhos. A natureza desconhece rostos, lágrimas, expressões e afeto. A natureza não se apieda do sofrimento humano. Não pode ser aplacada por pedidos de misericórdia, orações, cultos, nem músicas. Não há encantadores de mares. Por isso e muitas culturas a natureza é cultuada. O objetivo é aplacar a face indiferente da natureza, buscando estabelecer com ela um elo afetivo, chamamo o mar de amigo, erigindo totens, fazendo oferendas às estações, ao sol, à lua… Esse medo da natureza é matriz de todo arquétipo religioso, que fica bem evidente nas religiões afro-ameríndias, no culto aos espíritos e às forças que são superiores ao ser humano, com o objetivo de estabelecer com eles uma relação que promova segurança. De acordo com a seguinte lógica: Em primeiro lugar o fiel faz a oferenda para garantir que as forças que lhe são superiores (deuses) não se voltem contra ele, que dentro do arquétipo religioso é a “consagração”, “conversão”. Em segundo lugar, o que se estabelece é uma relação de suposta manipulação dos poderes superiores, que são as oferendas para obter algo, o “culto”. É nesse processo que o mar deixa de ser força destruidora para se tornar Iemanjá, a mãe abençoadora, por exemplo. Esse é basicamente, o resumo da estrutura da espiritualidade brasileira. Evangélicos, católicos, espíritas, candomblecistas, etc… Uma espiritualidade baseada no medo das forças da natureza, é em princípio uma religião natural. A forma de espiritualidade, psiquicamente falando, mais infantil que se pode ter, que é a garantia da segurança contra as forças da natureza.

Contudo, a natureza não pode ser aplacada por pedidos de misericórdia, orações, cultos, nem músicas. Não há encantadores de mares. Os espíritos não podem ser manipulados, domesticados. Eles manipulam, enganam.

Nem sempre foi assim. Mas, é assim que é depois do cosmos em sua ordem pelo pecado humano. Posto que, pecado não é questão moral, mas, estrutural. São as alterações para morte nos universos dentro e fora de nós. Mas, isso é outro assunto… Digo que nem sempre foi assim, por que Jesus ordenou ao mar que se acalmasse e que o vento cessasse e a natureza lhe obedeceu. E não só a natureza, mas, como toda força que se manifestava como superior e opressora do ser humano foi vencida por Ele.  Ora, se Ele é o modelo de ser humano que havemos, logo, na realidade do “reino de Deus”, a natureza e o ser humano retomarão seu relacionamento afetivo. A força da natureza deixará der ser um assombro. Mas, isso também é assunto para outro dia…

O que quero dizer é o mundo [sistema], no qual se trava a batalha da nossa existência, desconhece a piedade, ele é implacável. Forças econômicas, políticas, psico-sociais, culturais muito superiores às nós mesmos. Potestades que solapam a vida dia a dia, como ondas que se arremetem contra um barquinho em mar aberto. Sobretudo, assim se dá também com nosso universo interior, nossa alma, ela é certamente a mais implacável de todas as forças. Nada no universo carrega tamanha violência e poder destrutivo e auto-destrutivo. Não é por acaso que a depressão é o “mal do século”, mares emocionais revoltos fazendo naufragar milhões de pessoas em silêncio e dor.

O que faremos? Levantaremos altares a tais forças? Negociaremos com elas, faremos oferendas, cultos? É isso de fato que se têm feito. Um altar ao poder da alma humana. Milhões correndo todos os dias, alucinados, ao templo de suas próprias almas, tentando ganhar o mundo para saciá-la. Para não serem destruídos pelo vazio, pelo medo, insegurança e ansiedade. Por que o mundo é mau, indiferente ao sofrimento humano.

Respondo no próximo texto, por que sei que ninguém lê nada longo… Há quem tenha medo do deus do tempo tragar a vida… por isso faz oferendas de “agendas cheias” à alma para aplacar o medo da morte.

Timóteo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Daniel na cova dos leões

Diálogo - Darcy Ribeiro e Leonardo Boff

Como ovelhas sem pastor