Jesus é insuportável!

"Que farei de Jesus, que é chamado de Messias?", esta é a pergunta de Pilatos à multidão de judeus que entregara Jesus de Nazaré ao então governador da Judeia. De modo que ele deveria escolher entre a vida de um homem sabidamente inocente à arcar com as implicações de uma possível revolta popular de cunho político-religioso, que naquele momento, às vésperas da Páscoa, com as ruas de Jerusalém apinhadas de gente, aspirações nacionalistas à flor da pele por parte dos judeus, se configuraria, provavelmente, num banho de sangue. Quando lemos a narrativa de Mateus quase que se pode ouvir o som dos passos frenéticos nas ruas apertadas da cidade, os comerciantes e o cheiro de revolta no ar. Pilatos cede à pressão popular orquestrada pelos líderes religiosos judaicos temendo um mal maior. Entrega Jesus para ser crucificado. Lava as mãos. Resguarda a si mesmo, sua posição, seus interesses sublimados na imensidão das complexidades políticas e religiosas que envolviam a situação, apesar de saber que Jesus era inocente. Contudo, não quis levá-lo em consideração até às últimas consequências.

Estou convencido de que nosso problema não é quanto a ter boa informação a respeito de Jesus de Nazaré, na verdade estamos saturados de informação a respeito Dele.  Sabemos bastante sobre o Deus da Bíblia, poucas pessoas ainda se debatem no travesseiro com o "deus terrorista", envolto em mantos religiosos de tempos passados. Nunca se falou tanto do amor de Deus e de Sua graça e perdão. De maneira que ignorância quanto à revelação, mesmo que mínima, a respeito do caráter de Deus expresso por Jesus de Nazaré não é o problema. Conhecemos minimamente bem o Deus revelado em Jesus. De modo que nosso problema não é conhecer Jesus, mas, considerá-lo naquilo que Dele conhecemos. Nosso grande problema é que nos tornamos ególatras demais para considerar qualquer outra pessoa, ou qualquer outra vontade que não seja a nossa mesma. A única disposição de obediência que conhecemos é a que se dobra à nossas próprias vontades. Somos adoradores ardorosos do "si mesmo", ou, de si mesmos. 

Sabemos a respeito de Jesus, conhecemos seu testemunho, suas palavras, sua natureza, seu caráter e sua vontade, no entanto, nos tornamos incapazes de assumi-Lo como Deus. Não conseguimos realizar sua vontade, levar suas palavras até as últimas consequências em nossas existências. Nos tornamos crentes de confissão verbal, mas, nunca discípulos de práxis existencial. Confessamos a Ele com os lábios, no entanto, servimos apenas à nossa própria vontade. Pois a verdade é que Jesus é insuportável para nós! 

Ele se ocupou da vontade do Pai, o que chamou de "sua glória"
Nós nos pre-ocupamos com nossas vontades para alcançar a "glória"

Ele se ocupou com a justiça do Reino de Deus. Nós assumimos bandeiras ideológicas e tentamos adequar Jesus a elas.

Ele se ocupou da liturgia (serviço santo, sacro-ofício, sacrifício) da mesa para manifestar a natureza relacional da vontade do Pai. Partiu o pão e bebeu o cálice como quem dá de si aos irmãos para gerar vida e disse "fazei isso em memória de mim". Chamou isso de Igreja, que é toda comunidade que faz lembrar Jesus na terra pelo fato de nos darmos uns aos outros em relacionamentos profundos com o objetivo de gerar vida. No entanto, nós transformamos a mesa num culto e as relações em religião. Preferimos plateias a amigos. Likes a confrontos com a verdade. Enxergamos pessoas como mão de obra barata (voluntária) para realização de "sonhos" pessoais que afirmem nossa identidade, enquanto o sonho de Jesus era a formação de uma pessoa cuja identidade fosse Cristo, imagem perfeita do Pai.

Ele se negou em transformar pedras em pães para saciar sua fome, porque entendia que toda fome humana só pode ser saciada pelo Pai e nunca por esforço próprio. Já nós, não só demos ouvido ao diabo, produzimos o pão da iniquidade e ainda cremos que o fato de estarmos comendo é benção divina, sem discernir que Ele nos mandou partilhar o pão em Sua memória e não comer. Com isso cremos que a saciedade de nossas carências imediatas é sinal de benção. Desconhecemos absolutamente o que é permanecer em "jejum" e sermos alimentados da Palavra-Jesus. Não sabemos mais o que é permanecer firmes contra as ciladas da alma-ventre. Nos fizemos padeiros impiedosos, incapazes de receber o "Pão do Céu". Ele pedia ao Pai pelas pessoas, porque realizar a vontade do Pai era seu pão. Nós pedimos pessoas ao Pai, porque fizemos das pessoas nosso pão. Sim, nós somos seres antropofágicos. Uma vez que exigimos da carne do próximo a saciedade da nossa carência.

Jesus se negou em usurpar o poder de Deus para realização de uma vontade própria, pois sabia que qualquer espiritualidade fundamentada no poder é demoníaca. E que o em-poder-amento no Reino consiste do abandono de todo poder, para Nele poder todas as coisas, pela fraqueza de tudo o que em nós mesmos consideramos empoderamento. Porque quando sou fraco, dependendo unicamente Dele,  ai é que sou forte. Mas, nós fazemos tudo para manter a ilusão do controle, da previsibilidade da existência. É como diz a música: "tentei ser crente, mas meu Cristo é diferente, a sombra dele é sem cruz, no meio daquela luz", não suportamos a impotência e a vulnerabilidade da cruz sobre nós, preferimos o "Cristo do poder" a meu favor. Pois não discernimos que o poder de Cristo em nós é justamente para também poder morrermos para nós mesmos, carregando nossa cruz dia a dia.

Jesus afirmou que seu caráter consistia em adorar unicamente ao Pai, não se dobrou ao serviço de si mesmo. Não se rendeu a si próprio. Posto que essa é a proposta do diabo, que toda pessoa se exista em estado de subserviência à sua própria vontade. Ególatra. 

Por isso Jesus nos é insuportável. Ele nos libertou de nós mesmos e exige que tomemos para nós a liberdade que nos foi conquistada. Mas quem é que quer caminhar livre de servir a si mesmo? Quem quer assumir o compromisso de levar Jesus às ultimas consequências? Crer em seu amor e esperar Nele? O que faremos de Jesus, que é chamado o Messias?

Timóteo


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