Quando Deus muda de casa...

A chegada do Reino revela as contradições das estruturas e posturas humanas frente à Verdade, na linguagem de Simeão, o servo do templo que tomou Jesus, infante, nos braços que disse: "esse menino será um sinal de contradição em Israel". 

Naqueles dias surgiu João Batista, pregando no deserto da Judéia. Ele dizia: “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo”.Este é aquele que foi anunciado pelo profeta Isaías: “Voz do que clama no deserto: “Preparem o caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele”.

As roupas de João eram feitas de pêlos de camelo, e ele usava um cinto de couro na cintura. O seu alimento era gafanhotos e mel silvestre.
A ele vinha gente de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região ao redor do Jordão.

"Naqueles dias..." que dias eram esses? No que se refere ao contexto imediato, se trata dos dias em que José e sua família estavam em Nazaré, num contexto mais amplo, "naqueles dias" implica num olhar para um momento histórico em que o templo e o culto de Israel estava sendo extremamente profanado e corrompido pelos líderes religiosos. 

A começar pelo fato de que naqueles dias havia em Israel dois sumo sacerdotes, Anás e Caifás, conquanto segundo a Lei só poderia haver um sumo sacerdote, que deveria ser da tribo de Levi. Contudo, havia em Israel naqueles dias dois sumos sacerdotes porque o poder romano que dominava sobre Israel naquele tempo, percebendo a influência de Caifás (que foi sumo sacerdote anteriormente) sobre o povo, o manteve no poder para conter as várias insurreições do povo contra o poder romano dominador. 

Devemos lembrar que Israel era uma teocracia, ou seja, era uma nação governada por Deus, ou melhor, pelos representantes de Deus, cujo templo era o maior e único símbolo desse governo teocrático. Os chefes do povo (saduceus, fariseus e herodianos) já não representavam o caráter justo e misericordioso de Deus a muito tempo, advogavam apenas em seu próprio benefício.

Diante disso, de acordo com o que havia sido previsto pelo profeta Ezequiel, Deus abandonara o templo, significando dizer que Deus abandonara todo o sistema religioso de Israel em todas as suas implicações, o culto, a organização a casta religiosa, os ritos e a lei (como forma de espiritualidade). Deus abandona a cidade Santa, Jerusalém. Deus não se encontra mais nas estruturas religiosas de Israel, Ele está no deserto! E João é a sua voz. João é a voz daquele que clama no deserto, Deus é quem clama no deserto: "Arrependam-se, pois o reino está próximo!".

Deus se muda para o deserto e leva seu sacerdote, João. Sim, pois João era sacerdote por direito de linhagem segundo a lei de Moisés. E Deus o tomou como seu sacerdote, como o sacerdote do anúncio Reino. E como sacerdote João não podia comer qualquer comida, ele se alimentava de mel e gafanhotos, não podia vestir qualquer roupa, sua veste sacerdotal era feita de pele de animal e um cinturão.

É extremamente significativo o movimento geográfico, o caminho que as pessoas fazem de Jerusalém e da Judéia para se encontrarem com João às margens do Jordão. Uma vez que Jerusalém, na Judéia, é o centro religioso de Israel, lá está o templo, é a cidade santa, a morada de Deus. As pessoas estão fazendo o caminho de Deus, saindo do centro religioso para fora do templo, para fora da cidade de Jerusalém, ao encontro de Deus fora dos círculos "autorizados" de Deus. 

Um completo absurdo, uma incongruência desmedida o encontro com Deus fora da religião de Israel. No entanto, esta é a clareza atordoante do Evangelho do Reino. Deus abandonou o sistema religioso e abriu um novo caminho para os seus no deserto: "façam um caminho reto para o Senhor. Só os justos passarão por ele..." De modo que, o caminho geográfico se torna para nós simbolo do caminho existencial que devemos trilhar para encontrar Deus. Ou seja, para fora das estruturas religiosas, para além das instituições "autorizadas" dos "representantes" de Deus.

Historicamente, o mesmo processo se repete na igreja institucional romana a partir do século IV. Quando o "Caminho" de Jesus, aquele caminho que conduzia a Deus pelo deserto para fora das instituições humanas, foi feito por Constantino e pelos líderes da igreja em instituição religiosa, o cristianismo. Da mesmíssima forma, quando os representantes querem tomar conta da casa, a casa já não é mais a Casa do Dono. O Cristianismo não é e jamais será o endereço de Deus, o lugar existencial de encontro com o Pai o Filho e o Espírito. Toda a construção a partir desse DNA perverso carrega consigo suas características genéticas, as mesmas estruturas de pensamento, o mesmo sistema de manipulação com algumas variações teológicas, no entanto, de modo geral como os mesmos princípios antagônicos ao Evangelho.      

De fato, o Evangelho esfrega nos nossos narizes que Ele não é o Deus dos sistemas religiosos, Deus não só está além, como está fora deles. Deus não se encontra na religião, seja ela qual for. Jesus não é o Deus do Cristianismo, ele é a Palavra Eterna no qual todas as coisas existem, todas as coisas são para ele e por ele, e sem ele nada do que existe viria ser. É de uma ingenuidade sem tamanho pensar que Jesus está confinado às nossas catedrais teológicas e nossos ritos religiosos. 

Saia, vá para o "deserto", mais que sair das estruturas da religião, tire-as do seu coração.  

E a pergunta que fica é: "Onde Deus está agora, onde encontrá-lo?" No deserto!
Falarei sobre o deserto mais adiante.

Timóteo 




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