Bethesda: uma parábola da existência na religião

Conforme o relato de João (5.1-9), havia em Jerusalém um tanque chamado Bethesda, dividido em cinco pórticos com água. O tanque ficava próximo à Porta das Ovelhas a pouca distância do Templo. Neste lugar ficava uma multidão de doentes, pessoas com toda a sorte de enfermidades. As águas do tanque se agitava de modo intermitente. Acreditava-se que o mover das águas se dava devido o toque de um anjo e o primeiro que entrasse na água após ela se agitar ficava curado. Havia ali um homem, enfermo a trinta e oito anos. Ele estava deitado, todavia, não se diz que ele é paralítico. João diz que ele era doente (asthenéia = sem força, enfraquecido (a [part. neg] + sthenós [força]), a paralisia é deduzida pela resposta do homem a Jesus, indicando que ele não podia se locomover sozinho com agilidade, pois até que ele chegasse às águas outro entrava antes dele.  Jesus vendo que ele jazia doente a muito tempo manda que ele levante, tome o leito (um estrado) e ande. Porque Bethesda é uma parábola da vivência na religião?

Primeiro porque Bethesda é um lugar de incoerência. O nome hebraico "Bethesda" significa "casa de misericórdia", contudo, o que se verificava de fato era uma "casa de miséria". Uma multidão de pessoas aguardando uma cura que jamais chegava. Isso porque o deus de Bethesda, ao que parece, gostava de se divertir à custa dos moribundos que se engalfinhavam ao mover das águas. O deus da "casa de misericórdia" não era misericordioso, nem gracioso. Pois possibilitava a cura apenas aos mais aptos, um deus à moda darwiniana. É o deus da maioria dos cristão, que, muito embora afirmando que Deus é amor, negam essa realidade em suas práticas religiosas. Veja, o deus da religião abençoa só aqueles que tem capacidade para realizarem determinadas tarefas religiosas. O deus da religião é o deus que precisa da bajulação tola dos fiéis para se sentir deus. Ele precisa do culto, precisa dos ritos dominicais, das músicas gospel, caso contrário ele entra em crise profunda de identidade. Mas, sobretudo, o deus da religião é o deus que permite uma multidão de pessoas doentes dentro das geografias religiosas, "igrejas", sem que jamais sejam curadas. No entanto, a expectativa da cura é sempre alimentada nas consciências das pessoas. De modo que, as pessoas adoecem cada vez mais, ficam piores, mais intolerantes, iracundas, lascivas, mentirosas, inumanas. No entanto, mascaradas pelo fato de estarem na "casa de misericórdia", onde se supõe que haja uma cura, uma melhora.

Segundo porque Bethesda é o local no qual a paralisia existencial é causada pela expectativa mágica. Lá está uma multidão crendo que a primeira pessoa que entrar na água após a passagem do anjo ficaria curada. Obviamente que tal crença era apenas a expressão religiosa de um fenômeno natural. Seja as afluências dos lençóis freáticos, sejam as acomodações das placas tectônicas, poderia ser qualquer coisa e mesmo as pessoas daquele tempo poderiam das respostas razoáveis para o fenômeno, contudo, a existência do fenômeno em si, dentro dos arredores dos locais sagrados (templo), somado à extrema necessidade de assistência médica de todo tipo, gerava nas pessoas e nos doentes, principalmente, a expectativa do milagre. Pode-se ainda pensar que, se as pessoas se aglomeravam naqueles tanques alguma cura deve ter ocorrido. E é bem possível que curas acontecessem, pois o sugestionamento psicológico promovido pelo ambiente dispara mecanismos mentais capazes de realizar curas físicas, dentro da mesma lógica do adoecimento psicossomático, ou seja, assim como processos psicológicos adoecem o corpo, também podem curar. Não coincidentemente os "pastores" dessas "igrejas" que enfatizam o "milagre" atuam, aos berros, com táticas eficientes de sugestão psicológica, tanto para promover os "milagres" quanto para angariar ofertas.

Assim como em Bethesda os ambientes religiosos são depósitos de pessoas doentes aguardando curas mágicas para a vida, curas que jamais chegam enquanto se adoece cada vez mais. O adoecimento da religião consiste na paralisia que se instala na vida por causa da expectativa das soluções mágicas. Multidões de pessoas que se abstém de pensar, decidir, amar, paralisadas, passando pela existência sem se dar conta do próprio ser. Gente que nomeia a estupidez existencial de "fé". É como a moça que se apaixona pelo alcoólatra mais violento da paróquia e se casa com ele sob o pretexto de que "Deus fará o milagre", e nessa lá se vão 30, 40, anos apanhando e sendo tratada como um animal. Ou como o camarada que compra o que não poderia com o dinheiro que não tem e ora para Deus, em nome da "fé" para cobrir o cartão, o cheque... Pessoas que apostam a vida em soluções mágicas, abstendo-se de viver de maneira digna, responsável e madura. Daí se vê uma multidão de pessoas indo às "bethesdas" religiosas atrás de soluções milagrosas, são campanhas, congressos, "moveres", profetas, apóstolos. Até pastores entram nessa atrás de soluções mágicas para seus "ministérios" crescerem, estão atrás de uma "nova visão", um "novo mover". Mas, ninguém quer amadurecer no Evangelho.

De modo que Jesus precisa perguntar, "quer ser curado"? Parece uma pergunta descabida, em se tratando de um doente que jazia naquelas condições a 38 anos, mas, não. Jesus precisa perguntar se há interesse na cura pois esse estado de paralisia religiosa condiciona o ser a um modo de viver imaturo, que lança toda  a responsabilidade da vida em soluções mágicas. A paralisia existencial vicia. A alma se torna viciada em "não viver", transferindo responsabilidades, projetando frustrações pessoais em outras pessoas, em situações. Postergando a vida para um futuro que nunca chega. De modo que, mudar todo esse quadro requer do paralítico uma decisão, a decisão de, mediante o chamado de Jesus tomar as rédeas da existência de acordo com a verdade do Evangelho.

Jesus cura o homem da paralisia, devolve-lhe a força para ficar de pé, restitui-lhe a força para viver e faz isso mudando a maneira de pensar do paralítico dando a ele três ordens:

Levanta: faz aquilo que não te era possível fazer! Em que consiste sua paralisia? Seja qual for a área, em nome de Jesus levante-se em fé e saiba que você recebeu de Jesus todas as condições para fazer o que você considerava incapaz de realizar.

Toma teu leito: torna-te responsável por tudo o que é teu. Mediante a Palavra e a ordem de Jesus, você está capacitado pelo poder da Palavra a desenvolver de modo maduro sua vida, capacitado a decidir de modo sensato. Não dê a ninguém o controle da sua consciência e da sua vida, porque ela pertence a Jesus e ele a deu para você para que você a administre de acordo com a sabedoria que ele mesmo coloca em seu coração. Em maturidade, diante a verdade do Evangelho.

Anda: sai de Bethesda, faz seu caminho. Chega de ficar preso a um passado de enfermidades. Chega de ficar aguardando um futuro de expectativas. Anda, faz agora teu caminho, vive agora. Sem ilusões, vive, estufa o peito e encara a vida cheio de coragem e fé.

Quer ser curado?

Timóteo  

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