orar para quê?

"não andeis ansiosos de coisa alguma, em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ação de graças." (Filipenses 4.6)

Escrevi no texto anterior a respeito do "não andeis ansiosos" e quero continuar explicando a segunda parte dessa instrução de Paulo à igreja de Jesus em Filipo. Como no texto anterior tratei do contexto geral não vou repetir as informações, vamos direto às palavras de Paulo.

Ele diz: "em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus as vossas petições, ela oração e pela súplica com ação de graças". Primeira informação que devemos perceber na leitura é a conjunção adversativa "porém", que está presente também no texto grego. Indicando que isso que Paulo irá dizer agora está em oposição direta ao que foi dito anteriormente, "não andeis ansiosos". Portanto, as palavras que se seguem tratam do modo oposto de se viver. Ou seja, é possível fazer da ansiedade o chão da vida, "porém", há uma outra forma de se viver: em oração.

Portanto, em primeiro lugar, oração é a solução existencial contra a ansiedade, a oração é remédio contra ansiedade. Logo, motivo é: orar para não ser/andar ansioso. Oração cura ansiedade! Mas, por que a oração é a cura da ansiedade?  Porque é na oração que ganhamos uma consciência pacificada. Como? Simples, pense comigo:

Deus conhece suas necessidades? Sim, conhece. Inclusive, Jesus afirma que não deveríamos orar por por elas porque o Pai conhece nossas necessidades. Então, orar para quê? Veja como nossa relação com Deus, nossa espiritualidade está fundamentada na ansiedade, mesmo nossas orações não são orações, são apenas palavrórios ansiosos de nós para nós mesmos. Se você tirasse as petições das suas orações o que restaria? Silêncio... 

Ora, se Deus conhece nossas necessidades todas, inclusive antes de as pensarmos, "Senhor Tu me sondas e me conheces, sabes quando me assento e me levanto. Conheces o meu sentar e o meu levantar, a palavra não me chegou à boca e Tu já a conheces por inteira..." (Sl 139.1ss), logo, não oramos para que ele conheças nossas necessidades, apresentamos nossas necessidades diante dele para que nós conheçamos qual é a ocupação essencial da nossa mente, sobretudo, discernimo-nos a nós mesmos "diante Dele". Ou seja, oramos para obter discernimento de quais são as ocupações essenciais da nossa mente. Na oração tomamos conhecimento de quais são os elementos que fazem da nossa existência um caminho de ansiedades. É na oração que discernimos o que de fato domina nosso ser, quem é o nosso "deus". Na oração encaramos os ídolos do nosso coração. Esta é a primeira etapa do processo de pacificação que a oração propicia. Com isso estou afirmando que pacificação do coração é um processo de vida. Paz é uma consciência que se estabelece em nós, e não um analgésico em momentos de desconforto. Posto que, oração é um estado de existência, mais que momentos de monólogo.

Segundo passo nesse processo da paz em nós por meio da oração é a consciência de que Deus, não só conhece todas as necessidades e que, portanto, oração é para que eu discirna minhas ansiedades, como também é por meio da oração que tomo consciência de que Ele já supriu todas elas. É na oração que tomamos consciência de que todas as coisas já estão supridas em Deus antes de lho pedirmos. Nós oramos como que para "não cair na tentação" de que, em duvidando, do amor do Pai e da sua provisão, aplicarmos nosso tempo em coisas fúteis, "correndo atrás do vento" e não na consciência do Reino. "Ora se vocês que são maus sabem dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu não vos dará boas coisas". Oração é para não esquecermos da nossa identidade enquanto filhos e não duvidarmos do amor do Pai, ainda que as circunstâncias sejam adversas, como na experiência de Paulo. 

Terceiro e última etapa no processo de pacificação da mente é a gratidão, "apresentar as orações e petições com gratidão". Parece contraditório, mas só se você ainda estiver pensando oração do ponto de vista da ansiedade, porque se entendemos que todas as coisas estão supridas em Deus e em seu propósito eterno sobre nossas vidas, então, compreendemos que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus", todas! Mesmos as prisões, açoites, naufrágios... pois, em todas essas coisas, situações, Paulo pôde frutificar. Ou seja, todas as experiências que vivemos produzem em nós amplitude de consciência em Deus, produzem fruto de paz e o fruto do evangelho em nós é paz! Sobretudo, o evangelho frutificando em nós como consciência faz com que a semente do que há em nós, já como fruto, germine, fecunde, engravide outras pessoas com paz. Por isso mesmo Paulo agradece pela prisão, pois, suas cadeias estavam redundando em fruto de justiça, a guarda pretoriana estava conhecendo a Cristo por causa de suas algemas, outros estavam mais corajosos, desassombrados em virtude do seu exemplo. E esse fruto da paz que emerge de solos áridos frutifica para além de nós, do tempo, da geografia, tanto é verdade que as palavras de Paulo em sua prisão ainda fecundam com paz e consciência do evangelho nosso coração. De modo que, o motivo de gratidão de Paulo não se fundamentava na circunstância, mas na frutificação que se manifestava na sua vida e através dela. Ou seja, Paulo agradecia a Deus pelo que era, pelo que estava sendo gerado nele e nos outros através dele. Enquanto, nós agradecemos pelo que temos e pelo que recebemos, de maneira que, no dia que não recebermos e não tivermos cessarão nossas ações de graças. Contudo, se em nós houver alguma consciência do evangelho, seremos gratos, pois aquilo que é eterno está sendo gerado em nós dia a dia, a despeito das contingências históricas.

Se for assim, "a paz de Deus que ultrapassa todo nosso entendimento, guardará nosso coração e a nossa mente em Cristo Jesus" (Filipenses 4.7), significando ter a mente e o coração constante e eternamente escoltadas (literalmente no grego), como quem anda com um guarda costas chamado paz! Num eco das palavras do salmista "e a bondade e a fidelidade do Senhor me seguirão todos os dias da minha vida. Habitarei na casa do Senhor eternamente" (Sl 23). Sim, se nossa mente for tomada pela consciência do evangelho então nosso ser será guardado pela paz eterna, seremos habitados por ela e ela será nossa habitação. Sem medos, sem ansiedades, desassombrados, caminhando pela existência com o peito cheio de graça e frutos de justiça.  

Timóteo



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