a porta estreita e a porta larga

Quando puder, leia Mateus capítulos 5, 6 e 7, leia todos os dias se possível. Nesses capítulos, chamados de "o sermão da montanha" Jesus ensina a seus discípulos e à multidão que o cercava a respeito dos fundamentos do Reino de Deus. Em suma, Jesus ensina qual é a vontade do Pai para os seres humanos em relação a toda a criação e na relação com Ele mesmo. O sermão da montanha é o espelho, o paradigma existencial do Reino. Ou seja, responde à pergunta: Como entrar no Reino? Pergunta que Jesus responde de modo resumido numa sentença que ele repete o tempo todo, sempre concluindo um ensinamento, que é: "amai vossos inimigos, orai por aqueles que vos perseguem";  "tudo quanto quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas" (5.44; 7.12), que nada mais é do que a síntese das bem aventuranças (cap. 5), afinal de contas, quem ama é humilde, misericordioso, tem fome de justiça, é pacificador, tem o coração limpo e certamente será perseguido e injuriado, mas, certamente terá encontrado e entrado no Reino. 

Jesus conclui o sermão da montanha com algumas advertências, que se resumem no imperativo de se entrar pela "porta estreita" para encontrar o Reino, pois é ela que conduz à vida e são poucos que entram por ela. E, para se entrar pela "porta estreita" alguns cuidados são necessários: posto que, logo depois Jesus adverte seus ouvintes a respeito dos "falsos profetas". Por último, em oposição aos falsos profetas, Jesus adverte quanto à necessidade de construir a vida sobre o fundamento da rocha que é a sua palavra. Ou seja, Jesus conclui seu ensinamento, como que, calcando, reforçando na mente de seus ouvintes que o fundamento para se entrar no Reino é seu ensinamento, sua palavra. No entanto, existem falsos ensinamentos, caminhos falsos de falsos profetas. Acautelai-vos. 

Logo, para quem quer entrar no Reino, é necessário discernir o que é a "porta estreita" e qual é o ensinamento dos "falsos profetas".

"Falsos profetas", segundo a tradição profética de Israel, são todos aqueles que lançam ensinamentos falsos em nome de Deus. Temos que entender que a figura do profeta é decisiva em Israel, pois o profeta é a boca de Deus, comunica a vontade de Deus, portanto, define o rumo da vida do povo, posto que Israel, é uma teocracia, sempre foi. Sendo assim, é o profeta tem peso decisivo sobre o rumo da vida da nação uma vez que Ele comunica a vontade do Eterno. Sendo que o contexto da profecia falsa no Antigo Testamento era sempre esse: o Eterno pronunciava julgamento pela boca do seu profeta sobre a nação, contudo, os falsos profetas desmentiam o profeta de Deus e anunciavam paz e prosperidade. Os falsos profetas são os mantenedores dos sistemas de injustiça, estruturas político-religiosas que jaziam corrompidas, sobre as quais Deus manifestara seu julgamento por meio dos seus profetas, no entanto, os falsos profetas faziam desacreditar os profetas do Eterno, com o objetivo da manutenção dos sistemas político-religiosos vigentes. Oradores da injustiça, colunas do sistema religioso corrupto, bajulando opressores, profetizando prosperidade aos líderes que consumiam o povo, ávidos pela glória e bens que arrebatavam por suas mentiras em nome de Deus.

Jesus ensina seus ouvintes a reconhecer "falsos profetas", apesar de disfarçarem-se de ovelhas. Ele diz: "pelos frutos os conhecereis" (Mt 7.16), estabelecendo um princípio de gênese e hereditariedade: "colhem-se, porventura, uva de espinheiros ou figos dos abrolhos?", sou seja, um ente só pode reproduzir-se a si mesmo. Em outras palavras, pessoas produzem aquilo que são, como que por transferência genética, que são as características essenciais de cada um de nós. Assim, Jesus aplica esse princípio aos falsos profetas como sendo um sistema mau (sistema com sendo um organismo funcional, formado de várias partes que se relacionam), "árvore má", cujos frutos, por conseguinte são maus. Ou seja, Jesus afirma que essa árvore-sistema é má, não porque não funciona, mas, porque funciona para o que é mal. Existe para produzir e sustentar o mal. E como a árvore-sistema faz isso? O faz em nome de Deus: "Muitos naquele dia hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura não temos profetizado em teu nome, em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?" (Mt 7.22). Jesus está, portanto, alertando quanto a uma árvore-sistema que quer se fazer passar por "sistema de Deus". Mascarando-se em pele de ovelha, ou seja, ocultando sua verdadeira identidade e intensão. Trata-se de um engano espiritual, um engano maligno, que se dá pela usurpação do nome, dos símbolos e das objetos sagrados, que é a posse e uso ilegal das Escrituras, do Nome, da história. Jesus está nos alertando quando ao maior engano presente na face da terra! "Falarão em meu nome, farão milagres em meu nome, expulsarão demônios em meu nome..., mas, tomem cuidado! São árvores-sistema cuja identidade e intensões são malignas e conduzem à morte e são muitos os que entram por ela. Obviamente que Jesus se refere à toda estrutura religiosa que toma seu Nome e seus símbolos. Árvores-sistemas cujos frutos matam, envenenam, enfraquecem, cegam, atrofiam o discernimento, emburrecem nações, enganam gerações inteiras. 

Quem tem discernimento ouça, veja e compreenda, entre os judeus essa árvore-sistema se configurava pelo judaísmo estabelecido, que se valia do nome e dos símbolos de Deus como "porta" para o reino Dele. Entre nós essa árvore-sistema chama-se Cristianismo, sistema religioso que toma o nome Dele e seus símbolos. A essa árvore-sistema Jesus declara que está apartada dele, nada tem a ver com ele, pois ele mesmo nunca as conheceu, pois não provém dele, não poderia ser dele pois sua produção é a iniquidade (anomia), que é a não-lei, não-verdade, não-palavra, que em suma, é a ausência da palavra de Jesus, da verdade de Jesus na constituição, bem como nos frutos desse sistema. Fala em nome de Jesus, afirma-se de Jesus mas não age como ele, não ensina o que ele ensina, não pratica o que ele pratica. "Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade" (7.23). Esse caminho falso, essa árvore-sistema não subsistirá, diante da Verdade. Pois a Palavra da Verdade a consome como fogo: "toda a árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo" (Mt 7.19). 

Por isso vos afirmo explicitamente, como explícita é a mensagem de Jesus: a adesão à árvore-sistema religiosa é essencialmente "porta larga", não sejam enganados, seu fim é a perdição! Perdição que pode ser sentida todos os dias, como secura da alma, ódios, rixas, intolerâncias, medos sobre medos, desassossego da vida, desencontros relacionais, infernos cotidianos de quem come o fruto da árvore do mal, da árvore do cristianismo. Não pense que depois da morte você viverá algo diferente disso porque fez parte de um sistema que falava em nome de Jesus! 

Sutil engano, a árvore-sistema religiosa denomina-se a si mesma como "porta estreita", referindo-se à adesão do projeto religioso em todas as suas exigências e demandas, presença em geografias determinadas, participação em serviços rituais, a assimilação de comportamentos pré determinados, a aprendizagem de doutrinas de homens (o que chamam de "fé") e obviamente o sustento da estrutura clerical e seu aparato. Num eco das palavras heréticas de Cipriano de Cartago "extra Ecclesiam nulla salus" ("fora da Igreja não há salvação", numa referência à igreja romana, manifestação institucional do cristianismo de sua época). Poderíamos atualizar seu dito para a mente ocidental, "fora do cristianismo não há salvação", ou generalizá-la à pessoa humana, "fora do caminho religioso não há salvação". Não é necessário ser muito perspicaz para perceber que o funamento-areia-religião é o fundamento de todas as iniciativas humanas desde sempre! É a base de toda cultura humana, a base das leis, das relações, da psiquê individual e coletiva, etc. Aqui se encontram todas as produções humanas, todas nascem da areia religiosa. Sobretudo, religião é labor, é produção, é trabalho. Quantos não entram por essa porta, entram porque já estão nela como condição humana! Não à toa antropólogos como Mircea Eliade afirmam que o ser humano é um homo religiosus. 

Por isso Jesus instrui: "entrai pela porta estreita (...) porque estrita é a porta e apertado o caminho que conduz para vida e são poucos os que acertam com ela" (7.13-14) que nada mais é que Ele mesmo, a Porta e o Caminho (leia Ev. João cap.: 8, 10). De modo que, a pergunta é: como entrar por Jesus, ou, como andar nele?", ao que ele mesmo responde: a palavra dele é fundamento, é o princípio ativo de tudo, ou seja, é a semente da árvore Santa de Deus, o Reino. Semente que em sendo implantada transfere toda carga genética de Jesus para aquele que a recebe. De maneira que, aquele que recebe a semente-palavra produz de acordo com as informações genéticas que recebeu, logo, quem recebe a semente-palavra de Jesus será como Jesus. Esta será sua produção. A boa produção. Porquanto, "toda a boa árvore produz bons frutos" (7.17). Esta é a porta estreita e o caminho apertado, que paradoxalmente, amplia e alarga a consciência. De modo prático, se a árvore é Jesus, se é verdadeira, então gerará consciência em amor, posto que, ele diz: "amai vossos inimigos, orai por aqueles que vos perseguem";  "tudo quanto quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas" (5.44; 7.12). Pois, "nem todo o que me diz:'Senhor Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus (...) Todo aquele pois que ouve as minhas palavras e as pratica será comparado ao homem prudente que construiu sua casa sobra a rocha." (7.21;24). 

Neste caminho não há ritos a cumprir, sistemas a ingressar, sacrifícios a pagar, só o que há é o processo natural da frutificação, ou seja, a produção da pessoa de Jesus no ser! Isso é graça. Essa porta é estreita porque quem quer que seja, por mais, insensato que seja, sabe que não ama nada além de seus próprios interesses. Na religião isso é possível, no Evangelho não! Ora, se a porta é o amor e eu sei que não amo, logo, o que me resta é o amor dele por mim, a graça. E se, e somente se, no amor dele eu descansar, então deixarei descansar meu próximo, mesmo que o mais próximo de mim seja meu perseguidor! A graça é a porta estreita. Posto que, quanto maior for o fundamento-palavra ele em mim, mais inabalável meu ser pela certeza do seu amor. E, quanto mais certeza do amor (fé), mais paz. Portanto, entrar no reino é permitir que ele se implante e cresça em você, sendo para ti o fundamento-rocha, sobre o qual toda tua casa é construída, seus valores, seus relacionamentos, tuas emoções e conceitos. Em suma, reino é ter construído no ser uma casa chamada paz. Entrar no reino é deixar ele entrar em ti. Porquanto, maior será a porta quanto maior for o espaço da palavra de Jesus em ti. A porta do reino é proporcional ao tamanho da casa de paz que há em teu peito. Por isso mesmo, para aqueles da religião, a entrada no reino é impossível e sua porta para a perdição é enorme.     

Digo explicitamente porque o tempo se abrevia!

Timóteo

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