a segunda escolha de Marta

"A primeira escolha de Marta" (texto anterior) reflete o arquétipo da espiritualidade do "fazer para Deus", uma relação com Deus que evidência as performances, as habilidades em detrimento ao "ser" e à construção do caráter de Cristo em nós. Escolha que a tirou do contexto do discipulado, que é ouvir Jesus (seguir, permanecer onde ele está, participar da mesma condição) para ser e fazer como ele. A segunda escolha de Marta descrita por Lucas é consequência direta do equívoco da primeira, veja:"E, aproximando-se de Jesus inquiriu-lhe: 'Senhor, não te importas de que minha irmã tenha me deixado só com todo o serviço? Peça-lhe, portanto, que venha ajudar-me!” Orientou-lhe o Senhor: 'Marta! Marta! Andas ansiosa e te afliges por muitas razões. Todavia, uma só causa é necessária.'". (Lucas 10.40-43)

A segunda escolha de Marta consiste em supor a vontade de Jesus. Ela escolheu supor e fazer ao invés de ouvir e ser. Imagine a cena, Jesus reunido com seus discípulos na sala, reclinados ao redor de uma mesa baixa, entre eles está Maria. Estão todos absortos pelas palavras cheias de autoridade, seus corações se expandem a cada som, redes de compreensão se abrem diante deles fazendo-os transcender as contingências de tudo o que experimentaram até aquele momento. Novos universos se materializam em suas almas, links brotam de suas memórias pessoais e coletivas conectando-os a realidades invisíveis, o céu estava assentado entre eles e se assentando neles.

Marta surge na sala, suas palavras ecoam mais alto que as palavras de Jesus interrompendo sua fala, para o espanto de todos, por um breve momento os olhares se desviam de Jesus em direção a Marta, - "Não te importas que minha irmã tenha me deixado só com todo o serviço? Peça-lhe, portanto, que veja ajudar-me.

Primeiro, Marta supõe que seus afazeres são mais importantes que ouvir Jesus. Ou seja, ela entende que sua agenda é mais importante que a agenda de Jesus. Afinal de contas ela está "fazendo para Jesus". Esse é o primeiro equívoco gerado pelo distanciamento do círculo do discipulado. Quando a preocupação primeira não é compreender à exatidão das palavras do Senhor e seu exemplo para ser como ele  o que se dá é o desconhecimento de sua vontade. Logo, quem não ouviu, não sabe quê, nem como ser, daí, passa a fazer o que não sabe para quem não conhece. Esta é a praxis religiosa. Gente fazendo o que não sabe, para alguém que não conhece. Toda agenda religiosa é feita como que para Deus, em função daquilo que se pensa que Ele quer. Auto engano! Agendas religiosas são apenas projeções das ansiedades de re-ligação, re-ligare, por mérito próprio, somadas ao surto do poder. 

Segundo, ela supõe que Jesus compartilha de suas preocupações, de sua agenda. Mas, não, Ele não compartilhava das suas preocupações. A agenda dele era outra, discipulado. Marta estava imersa em auto engano, pois entendia que Jesus se preocupava com o serviço que ela realizava, afinal, era para ele! Mas, não. A ocupação dele permanecia na sua missão, formar pessoas como ele. Jesus não compartilha da agenda da religião. Jesus se ocupa com coisas opostas à religião, são esferas de existência completamente antagônicas. Quantas vezes não ouvi gente orando: "Jesus abençoa nossa reunião de planejamento, na qual estaremos tratando das coisas concernentes ao teu Reino, para tua glória...", e então passam a tratar dos assuntos dos seus próprios reinos, eventos, projetos de expansão institucional, construções, dinheiro, shows... só pode ser piada! Coisa concernente ao Reino é ouvir e ser como Ele, é vida vivida em amor. Nunca vi uma reunião em que juntasse gente para deliberar meios de como servir mais e melhor à comunidade, às pessoas. As agendas religiosas fundamentam-se, sempre, no serviço a si mesmo, mas, sob o auto engano da afirmação "para glória de Deus". Jesus não compartilha a agenda da religião! Nem como ações, tampouco, como instituição estabelecida em nome dele.  

Terceiro, o auto engano de Marta faz dela injusta, pois, julgando que seu serviço era mais importante que ouvir Jesus, ela quer, agora, usar a autoridade de Jesus para recrutar sua irmã para fazer dela suporte para seu serviço, "peça-lhe, portanto, que veja ajudar-me". Que é o que fazem todas as estruturas religiosas, transformam pessoas em pelas de sustentação de sistemas inteiros pela usurpação do nome de Deus. Pois, em nome Dele, recrutam pessoas para sustentar suas instituições e executar suas agendas. Chamam isso de "obra do Senhor", "trabalhar para Deus", "servir ao Senhor", etc. Não por acaso toda pessoa que se converte a uma religião toma logo consciência de que se converteu ao serviço de deus, e que, portanto, a vida passou a ser serviço. De modo que, a primeira pergunta de quem se "converte" é: "o que devo fazer agora?". E, obviamente, o cardápio religioso é vasto no que se refere ao "fazer". A começar pelo fazer-se a si mesmo por meio das disciplinas e regras religiosas baseadas e "não toques", não proves", todas coisas que tem aparência de sabedoria , mas que não possuem poder nenhum para fazer nascer uma nova criação no coração de ninguém. Quando o Evangelho é "crer". "O que faremos para realizar as obras de Deus?", ao que Jesus respondeu, "a obra de Deus é crer naquele que ele enviou." Por isso o Senhor diz: "jamais entrarão no meu descanso"! Pois, não creem. Todavia, se Ele dissesse "não entrarão no meu trabalho", creriam. 

Entendam, "uma só coisa é necessária": crer!

Timóteo

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