o mar, o carpinteiro e o pescador


Pedro e os outros onze avistaram o que parecia ser a figura de uma pessoa, no meio da noite, caminhando sobre as águas do lago Genesaré em direção ao barco em que estavam. Sabiam que era algo impossível a qualquer pessoa viva, concluíram ser um espírito, ficaram apavorados, afinal os espíritos, bem como as águas são coisas com as quais não se brinca, essa é a primeira regra do pescador. Afinal de contas, as águas e as coisas de outro mundo estão fora da alçada de gente comum. E gente comum não caminha sobre as águas, logo, o que vem lá é coisa que pescador e homem comum não entende e não domina, por isso a tremedeira e o ajuntamento involuntário no canto do barco. Até que Pedro reconhece a silhueta, "acho que é ele", pensou. 
- "És tú Senhor? Se fores, manda que eu vá até ti sobre as águas." Uma voz na escuridão responde, - "Sim, sou eu. Venha Pedro." Ainda trêmulo, sob o olhar perplexo dos companheiros, Pedro põe a perna para fora do barco, dois dos mais chegados o seguram pelos braços e roupa, aos berros censuram-lhe a insanidade - Estás louco homem, torna-te-ás tu também  assombração, pois, certamente morrerás! Puxou a capa com decisão e tateou a água com a ponta dos pés. Fria e molhada água. Uma estranha sensação, a água não mudara, era a mesma, mas ele, ele estava leve, quase não sentia o próprio corpo, foi tomado por uma sublimidade. Nada mudara ao seu redor, mas ele, seu corpo parecia regido por outras lógicas, outras leis. Naquele momento soube que era possível ser mais que pescador. 

Afinal, era o que era até esse momento, pescador, e só. Tudo o que ele sabia era ser pescador. Sabia tudo sobre aquele lago, crescera e trabalhara ali a vida toda, sabia tudo sobre as águas, os peixes. Sabia que pescador não anda sobre as águas. Então ele não era mais só pescador. Assim que colocou os pés para fora do barco e os firmou nas águas se descobrira mais que pescador, era discípulo, era como Jesus. Estava fazendo como Jesus, pois o mestre o  introduzira a outras realidades, outros saberes e consciências. Tomara consciência de que Jesus era mais que carpinteiro e mais que pescador, já que nunca vira carpinteiro nem pescador andar sobre as águas. Mais que isso, Pedro descobrira que Jesus, mais que andar sobre as águas, podia fazer pescador andar sobre as águas. Jesus, que era bem mais que carpinteiro, podia fazer pescador ser mais que pescador. E, se Jesus podia mudar gente então Jesus devia ser Deus. Porque só Deus sabe de água mais que pescador e só Deus sabe de pescador mais que pescador. Jesus é Deus!
E foi, caminhou, leve. Até que sentiu o roçar da brisa no rosto, sacudindo-lhe a capa e então lembrou que era pescador. Lembrou que pescador não anda sobre as águas e já não sabia ao certo se carpinteiro podia mesmo mudar pescador. Então começou a afundar. Afundou porque sentiu o vento. Mas, pescador sabe que vento dá e vai embora. Sabe que vento dá toda hora. Sabe que vento não mata ninguém, mas, agita a água. E, em água agitada até barco vira.

O que Pedro não sabia ainda é que Jesus não dependia das condições do vento para gente comum caminhar sobre as águas. Mas, ele sentiu o vento. O que pescador, quando é só pescador, não sabe é que sentimento, emoção é como água, não dá para fazer de chão. Quem quer caminhar fazendo do sentimento chão para vida afunda, afoga, morre, vira assombração, vive assombrado, ansioso, com medo. Porque assim como a água as emoções se agitam ao sabor dos ventos. E agente sente. Sente no rosto, sente na pele. Jesus pode fazer gente caminhar com o vento solapando as emoções, a alma. Jesus podia até calar o vento e acalmar as águas antes de Pedro sair do barco, mas, não. Agente precisa aprender que Jesus é Deus e Deus faz pescador caminhar até sobre águas revoltosas. 

Por isso, quando pescador se torna discípulo, ele faz como poeta, conversa com a alma e a coloca no lugar cantando - "Porque te afliges minha alma? Sossega, minha alma, como criança desmamada no colo de sua mãe". Discípulo não caminha sobre sentimentos, caminha sobre a palavra do mestre, e a palavra do mestre diz que fez dele mais que pescador. Discípulo é mais do que aquilo que sente, confia e se agarra à palavra de Jesus, é mais que alma (homem carnal - psichykos)  é um ente espiritual, pois foi feito leve, elevado pela Palavra. Pescador, carpinteiro e discípulo sentem o vento, sofrem redemoinhos emocionais. Jesus em oração ao Pai disse: "minha alma está aflita!", em seguida afirmou, "que seja feita sua vontade", caminhou pela Palavra do Pai apesar das águas revoltas. A diferença entre o pescador, o carpinteiro e o discípulo é que o discípulo é mais que uma alma, caminha sobre a Palavra e não sobre o imperativo da alma, das emoções e sentimentos. 

O discípulo não precisa sentir, nem ver nada para saber que Deus está, ele sabe. Não precisa sentir para saber-se salvo, perdoado, ele sabe. Discípulo não decide com base em suas emoções, antes discerne-as, submete todas elas ao crivo da verdade do Espírito, sossega a alma. Discípulo é como Elias,  percebe Deus na brisa suave. Pescador é como evangélico pentecostal, só entende aquilo que lhe provoca os sentidos, e nunca entende nada. Nunca deixa de ser pescador. Se está angustiado, ou é pecado ou é o diabo. Se está em estado de felicidade então Deus está satisfeito com ele. Tudo depende de seu estado emocional. Seus relacionamentos, suas decisões, ele não tem centro em si mesmo, tudo depende do estado do dia. Hora perdoado, hora condenado, hora abençoado, hora esquecido, hora sorri, hora odeia, mente difama. Não sabe cantar na prisão, não sabe confiar, se a figueira não florescer faz uma campanha, repreende o devorador... se faltar o gado no curral então... Gente assim acredita que é sua ansiedade que mantém Jesus caminhando sobre as águas, afinal de contas é a ansiedade religiosa deles que faz Deus se mover. Por conseguinte, creem que são seus próprios méritos que os mantém sobre as águas. Por isso ao se sentirem "em pecado", ou "sem unção", "frios", que é o mesmo que ausência de estímulo psicológico que os faça prorromper em surtos histéricos, ficam tomados de ansiedades culposas e iniciam uma jornada de "consagração", que é o mesmo que eventos e mecanismos que os levem a sentir algo.  

Por outro lado, tem aqueles que ficam no barco, sem jamais se lançar à experiência da Palavra do Evangelho, preferem suas embarcações teológicas, denominacionais, seus cultos, liturgias. E, tudo que lhes foge a sensação ilusória do chão do barquinho teológico lhe apavora, a ponto de conferirem ao diabo o que não podem explicar por meio razão rasa do seu barquinho. Seu grande orgulho é poder dizer - "estamos a séculos nesse barquinho, nunca afundamos!". Históricos, protestando contra o vento e contra as águas. Cultuando o barquinho. Passam a vida na manutenção do barquinho, sem jamais reconhecer Jesus. Discípulo não fica no barco. Discípulo reconhece Jesus onde ele estiver e parte para estar com o mestre onde ele estiver. Infelizmente a escuridão se mostra tão profunda em nossos dias, que não reconhecem mais Jesus, não deixam mais o Senhor entrar no barco, não podem mais dizer: "és de fato o Filho de Deus". Pois para eles o barquinho é o salvador.

Saiba que ele é mais que carpinteiro, ele é Deus e sua Palavra nos faz mais que pescadores. Portanto, saia do barco, encare o vento e ande sobre as águas. 

Leia Mateus 14.22-33.

Timóteo

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